17 de dezembro de 2007

"Há um certo clubismo no fado"

O fado voltou a viver uma relação positiva com as pessoas. É de novo valorizado, aclamado...

Acima de tudo penso que foi dignificado. Com boa poesia, boa música, actual, de autores contemporâneos que se interessaram. E também tem sido valorizado pelo mediatismo que certas pessoas têm conseguido bastante lá fora. Ou seja, quanto mais atenção existir para as coisas, às vezes mais qualidade conseguimos ter nos mecanismos que usamos. E essa dignidade que se trouxe a uma música tão simples, ao mesmo tempo, faz com que as pessoas percebam que têm de prestar atenção.

O sucesso internacional das novas vozes do fado também contribuiu para esta redescoberta pelos portugueses?

Fez o seu trabalho de auto-estima. Temos valores. Além do futebol, além de uma quantidade de coisas que são o nosso passaporte, temos, na música, o fado.

Cantou fado para Bill Clinton, quando era presidente...

É importante realçar aí a importância que teve o nosso então Presidente Jorge Sampaio que foi das primeiras pessoas a levar consigo o fado nas suas viagens. Um pouco da tal dignidade de que falava há pouco talvez também venha daí. Mas cantar para Bill Clinton foi e será sempre um momento de referência. Se bem que esteja sempre à procura do próximo momento...

Podemos falar de uma geração de 90 no fado. O que a distingue de outras, no passado?

Esta geração até se subdivide em várias. E antes desta já havia uma outra, que é a do Camané e da Mísia. E depois há a geração pós-Amália Rodrigues. Agora, as diferenças são brutais. Nem que isso venha da realidade em que cada geração viveu, os seus valores, o sentido de conceito de família, de sociedade...

O fado é ainda uma expressão tradicional?

A palavra "tradicional" é talvez a mais perigosa. Afinal, o que é a tradição hoje em dia? Se formos para a tradição de sermos seres humanos, aí sim, esta continua a ser a tradição de verter as emoções, seja a chorar ou a rir. Agora a tradição cultural... Às vezes será que nós sabemos?... Muda...

E está a saber adaptar-se a essas mudanças?

Tenho confiança que sim, porque está a surgir um repertório forte. Temos originais que marcam. E isso, para mim, é o grande emblema. Acho é que estamos sempre numa fronteira muito delicada. É um perigo estar no extremo do conservadorismo ou no do experimentalismo.

Procura um meio termo?

Tenho essa sensação sobre o perigo de perdermos as referências. Não se pode. Para mim é como sair de casa dos pais. Queremos o nosso espaço. Mas temos de lá voltar sempre, porque é lá que estão as nossas referências, o nosso fio de prumo. No meu caso, dou por mim, mais que nunca, a fazer música que é influenciada pelo fado mas que, acima de tudo, é a minha sensação fadista. O fado tem que correr outros caminhos e linguagens, mas em termos viscerais tem de ter esse sabor a fado. Nem que seja na atitude.

Daí as suas parcerias com os Corvos, ou com Amélia Muge?

Sim. É essencial. A música continua a ser comunicação.

O que diz da abordagem de Carlos Saura ao fado em Fados?

Ainda não vi o filme... Mas vou ver.

Mas o que pensa do tipo de cruzamentos do fado com outras músicas como se vê nesse filme (e não só)?

O prazer puro de fazer música é tão bonito... Tenho isso com o Ramon [Maschio]. Falamos a mesma linguagem, mas com um sotaque diferente. Isso, na música, tem um sabor fantástico.

O fado é uma música de elite?

Começou com cada pessoa com o seu próprio núcleo, mas não diria de elite. Até porque esta diversidade de pessoas tem trazido diferentes públicos. Alguns cruzam-se, mas há um certo clubismo.

Há clubismo no fado?

É uma coisa que me faz confusão. É preciso ir à Holanda para os ver falar sobre as várias fadistas sem serem redutores. Só em Portugal se fala por comparação. Talvez seja importante... Mas pergunto para quê? Se gosto de ver concertos de outras fadistas, não é para me comparar... Gosto de me aperceber das diferenças e saber o que cada pessoa tem para me dar. Somos tão diferentes e há lugar para todos nós.

O que a levou ao fado como profissional?

Cantava já no meio fadista, mas com uma colagem gigante à Amália. A minha dúvida era sobre o que haveria de cantar para o grande público me querer ouvir. E o João [Gil] descobriu que tinha uma ou outra coisa escrita. E aí tudo ganhou uma outra forma.

para maria

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