31 de outubro de 2007

"Vamos deixar que seja o público a escolher-nos"

Ana Sofia Varela, José Peixoto, Fernando Júdice e Vicky – os músicos que fazem o projecto Sal – estão praticamente na recta final de uma digressão nacional que já os levou, entre outros palcos, ao Teatro Viriato, em Viseu. Depois do concerto desta noite, em Coimbra, a digressão prosseguirá em Sintra, a 2 de Novembro, para encerrar em Lisboa, a 21 de Dezembro, no Centro Cultural de Belém. Em entrevista ao DIÁRIO AS BEIRAS, José Peixoto, um dos mentores do projecto, falou da música que fazem, das suas intenções e das referências (geográficas e culturais) que têm tudo a ver com o percurso da língua portuguesa.

DIÁRIO AS BEIRAS – "Uma nova música vincadamente portuguesa que visita o fado de uma forma inesperada". Esta frase, que tem servido para apresentar o vosso projecto, significa exactamente o quê?
José Peixoto – Quer eu quer o Fernando Júdice, quando idealizámos este grupo, sabíamos apenas que queríamos fazer música original em português, que se sentisse portuguesa (não pela integração de fórmulas do nosso folclore mas pela digestão, mais ou menos estilizada, que dele fazemos), e que de alguma maneira pudesse passar pelo fado. Nenhum de nós, enquanto músicos, teve um passado ligado ao fado. Sabíamos como fazer a música aproximar-se dele mas não queríamos fazer fado enquanto tal. Daí a escolha por uma voz que viesse do fado, o que, só pela presença desse canto original e único, viesse permitir essa tal visita de que falou atrás. Assim procurámos esse ponto de equilíbrio entre a expressão do canto do fado e uma música que, sem o ser, permitisse a evolução dessa expressão. O resultado revelou-se interessante e motivador.

Mas a vossa música vai muito para lá das fronteiras físicas do país, cruzando "a raiz ibérica com a dimensão atlântica do percurso lusófono", como já alguém disse. É assim?
Sim, procuramos a universalidade e esse conjunto (poético) de referências geográficas e culturais que têm a ver com o percurso da língua portuguesa no mundo e onde ela se estabeleceu e vive. Tudo sem nunca perder de vista o nosso ponto de partida ibérico.

Onde encaixa a "mestiçagem" nesta vossa nova proposta musical?
Precisamente no resultado do convívio subjectivo e criativo com essas referências. Encontram-se estilizados (não importados) na música que fazemos elementos alusivos a todos esses lugares.

Como é que aconteceu o encontro dos quatro músicos – Ana Sofia Varela (voz), Fernando Júdice (baixo), José Peixoto (guitarra clássica) e Vicky (Bateria) – num projecto a que chamaram Sal?
O Fernando Júdice e eu já há muito que nos conhecemos e já há muito que trabalhamos juntos. Antes, durante e depois da nossa passagem pelo Madredeus. Fizemos, em duo, no ano de 2002 o cd "Carinhoso" com música do compositor brasileiro Pixinguinha. O nosso convívio musical aí deu muito bons frutos. Desenvolvemos, a partir de uma maneira espontânea de juntar os nossos dois instrumentos, uma expressão original e única. E foi com essa motivação e com a garantia desses resultados que decidimos criar um projecto em que transportássemos essa expressão única para um contexto de música original. Foi esse o começo do Sal. Percebemos que uma percussão daria a cor e o vigor rítmico que queríamos imprimir à música e foi fácil chegar ao Vicky, percussionista com quem já tinha trabalhado no meu disco anterior ("Pele", com Maria João). Foi-lhe pedido que desenvolvesse um instrumento que se situasse entre a bateria e a percussão. O resultado é surpreendente. Por fim a Ana Sofia Varela juntou-se ao grupo, aconselhada pelo letrista que connosco trabalhou, o Tiago Torres da Silva, porque achou que seria a voz certa. A primeira experiência que fizemos em estúdio com ela, confirmou essa opção. A Ana é fadista e cresceu na vila de Serpa onde se abriu ao canto alentejano e também à música vizinha da Andaluzia. Estas três vertentes confluem no seu canto dando um tom de exotismo que redimensionou a música que estávamos a trabalhar.

Sal porquê?
De todas as ideias que surgiram para o "baptismo" do grupo, a que de alguma maneira simbolizava a nossa situação geográfica e cultural, a nossa relação com o oceano e a nossa atitude itinerante, era a que estava associada à palavra Sal. Foneticamente também se apresentava apelativa. Surgiu como uma evidência. Daí a escolha.

Desde a apresentação de "Sal", em Março último, o grupo tem percorrido o país numa digressão que não passa apenas pelos palcos principais. A vossa intenção é chegar a que público? A todo o público?
A nossa intenção é poder partilhar e mostrar a música e o concerto que fazemos ao máximo de público possível e nos locais considerados por nós adequados. Sabemos que não vamos ser nós a escolher o público. Vamos sim deixar que seja o público a escolher-nos.

E como é que tem sido o acolhimento nos concertos em que já se apresentaram?
Depois do efeito surpresa que a originalidade da nossa música provoca (digo isto sem qualquer tipo de presunção. É apenas baseado nos ecos que nos vão chegando...), há uma sintonia e uma compreensão emotiva evidente e o acolhimento surge natural e caloroso.

Alguma expectativa particular para o concerto em Coimbra?
Todos nós já tocámos em Coimbra com projectos e em eventos muito diferentes e ninguém tem más memórias de nenhuma situação. Até podemos afirmar que pela sua cultura, dinamismo e tradição, Coimbra é uma cidade musical. O que por si já deixa adivinhar uma visita estimulante. Queremos oferecer a Coimbra o "desafio" do nosso concerto sabendo de antemão que o público dessa cidade é um público aberto e que nos irá receber bem.

E o mercado além fronteiras, é vossa intenção conquistá-lo?
Naturalmente.

29 de outubro de 2007

Fado em Si Bemol

"Esta é a nossa forma de estar na música". É assim que Pedro Matos classifica este trabalho - o primeiro apresentado por este grupo que, para já, se dedicou a dar uma nova roupagem a temas conhecidos, mas com arranjos e sonoridades que abraçam vários estilos musicais. Vão desde o fado, por exemplo, até ao jazz. Os ritmos são arrepiantes em alguns casos e ficam, sem dúvida, no ouvido.

A produção deste CD, gravado ao vivo no B-Flat Jazz Bar, no Porto, esteve a cargo da empresa Trovas Soltas e, numa primeira audição, já mostrou que vai ser um sucesso. A apresentação deste disco aos jornalistas foi feita, a semana passada, durante um jantar, a bordo de barco rabelo e pelas reacções venceu e convenceu.

Pedro Matos (voz), Miguel Silva (guitarra portuguesa), Paulo Gonçalves (guitarra clássica e guitarra jazz), Pedro Silva (contrabaixo) e Juca (percussão) apresentam-se de forma despretensiosa e tentam interagir com o público. Conseguem-no, sem dúvida. Com 11 faixas, este ‘Fado em Si Bemol’, que dá nome também ao quinteto, inclui "Elegia do Amor", Canção do Mar", "Ó Gente da Minha Terra", "Fado Tropical" e "Ela Tinha uma Amiga", entre outros temas.

Foi há cerca de quatro anos que o grupo começou a "experimentar arranjos". Traçou um caminho que chegou até a este trabalho. E daqui para a frente? Pedro Matos respondeu: "vamos ver. Até agora andámos à procura do nosso som, que não tem uma origem forçada", mas isso é algo que vai ficar mais explícito, quando o grupo começar "a produzir os seus próprios temas".

E porque este trabalho é uma mistura de temas e de ritmos, será que o Fado em Si Bemol representa "uma forma diferente de sentir o fado ou de ouvir o jazz? "Nem uma coisa nem outra", afirmou peremptório Pedro Matos ao mesmo tempo que explicou que este CD "não é fado, nem jazz, nem bossa nova, nem blues. Juntámos tudo num tacho e foi isto que saiu". E a verdade é que saiu bem.

Fonte ~ Márcia Vara/ Póvoa Semanário


Fernando Rolim regressa aos discos e ao fado de Coimbra

O CD que marca o retorno de Fernando Rolim ao mercado discográfico abre com o toque da Cabra e “Meu Nabo, Meu Grelo”, seguindo-se alguns dos temas que o autor cantou enquanto estudante, mas que nunca foram gravados. “Adeus Minho encantado”, “Fado da esperança”, “Adeus a Coimbra” e “Estrelinha do Norte” estão entre eles. O CD, da responsabilidade da editora “Ovação”, inclui também folclore urbano de Coimbra, com destaque para “A Morena”. O Grupo de Guitarras de Coimbra, da Associação Cultural Menina e Moça, com Carlos Jesus e Paulo Largueza, garante os acompanhamentos.

DIÁRIO AS BEIRAS - Lança hoje, em Lisboa, um novo disco. Como surgiu este “Regresso de quem nunca partiu”?
Fernando Rolim - Após várias tentativas, aí está, de facto, finalmente, a obra. Os primeiros ensaios remontam há, pelo menos, uns vinte anos, mas a distância entre Setúbal, onde actualmente vivo e trabalho, e Coimbra dificultou muito esse meu objectivo. Só ultimamente consegui a disponibilidade necessária para vir até cá, de 15 em 15 dias, preparar a gravação.

Este CD tem alguma mensagem especial?
É, essencialmente, um disco dedicado a Coimbra, no seu todo. Ou seja, aos estudantes e aos não estudantes.

Em 1978, esteve presente numa Serenata, na Sé Velha, com muitos outros cultores da Canção de Coimbra, visando a sua reabilitação no pós-25 de Abril. O objectivo foi conseguido?
Sim, foi inteiramente conseguido. Após nove anos de mutismo, a canção de Coimbra voltou a ser interpretada livremente na cidade e fora dela. As serenatas recuperaram o brilho de outrora, a população da cidade voltou a acorrer em massa, como habitualmente, ao Largo da Sé Velha, as janelas das casas circundantes voltaram a ostentar as ténues luzinhas, ornamento singelo, é certo, mas bem característico.

Essa serenata teve alguma preparação prévia?
É verdade. Tudo começou cerca de um ano antes, numa reunião-convívio realizada na cave de um prédio dos Olivais, em Lisboa, habitado então por antigos estudantes de Coimbra. Um deles fez o contacto com os condóminos, eu fiz o contacto com os intervenientes. Em Junho de 1977, todos responderam à chamada. Cantores, guitarristas, violas, poetas, ilusionistas, humoristas, historiadores, enfim, ali estiveram presentes.

Quem foram eles, nomeadamente?
Além, é claro, de mim próprio, compareceram António Portugal, Pinho Brojo, Machado Soares, Luís Góis, António Bernardino, Tossan, Joaquim Teixeira Santos, Júlio Condorcet Pais Mamede, Aurélio Reis e o arquitecto Proença de Carvalho.

E que decidiram?
Exactamente isso - voltar a fazer uma serenata na Sé Velha, Resolvemos, ainda, complementá-la com um seminário sobe a canção de Coimbra e cunhar uma medalha.
Ainda há tempo e modo, nestes anos que correm, para o fado de Coimbra?
Com certeza que sim. O fado de Coimbra é parte integrante da alma da cidade.

Como analisa os seus actuais compositores e intérpretes?
Como pessoas que procuram dar à canção de Coimbra os vários cambiantes da sociedade do seu tempo, sem esquecer os clássicos.

Como antigo estudante da Universidade de Coimbra, que ideia faz da actual vivência académica?
O estudante de Coimbra vive a sua época, de acordo com os ideais da academia do seu tempo. Todas as épocas têm as suas características tipo, que devem ser respeitadas e entendidas como o reflexo de toda uma série de inovações, que se vêm processando na sociedade e, sem se dar por isso, exercem em nós uma grande influência. A rádio, a televisão, as novas tecnologias têm sucessivamente dado um contributo, positivo ou negativo, que, quer queiramos ou não, marcam as manifestações culturais.

Costuma chamar à música uma das suas “amantes”. Porquê?
Porque efectivamente, para além da família, a medicina e a música são tudo aquilo de que mais gosto.

Então, não há outras?
Não tenho realmente outras, para lá das que mencionei.

Donde lhe veio a veia artística?
Geneticamente foi herança dos meus avós maternos e da minha mãe. O meu avô compunha e cantava, a minha avó cantava as canções típicas das romarias e fogueiras e a minha mãe, que tinha uma bonita voz, segui–lhes o rasto.

Ostenta o título de “Cidadão Honorário da Prefeitura Francesa”. O que é isso?
É um título honorífico conferido a quem colaborou em manifestações culturais, musicais ou outras em prol da polícia e das forças militares francesas, em especial dos mutilados em combate, designadamente nas duas guerras mundiais.

Coimbra tem hoje mais ou menos relevância nacional do que no tempo em que cá viveu?
Do ponto de vista académico, houve uma evolução que não me caberá a mim definir, já que habitualmente somos levados a sobrevalorizar o nosso tempo e as nossas vivências, menosprezando, indevidamente, outras vivências mais actuais, que desconhecemos. No que se refere a Coimbra, como parte integrante da nação portuguesa, há que dar relevo à enorme expansão da cidade, às áreas universitárias, às iniciativas culturais que actualmente cá têm lugar, ao desenvolvimento turístico, às infra-estruturas. No entanto, permito-me perguntar até que ponto é que há mais expressividade e qualificações naquilo que tem acontecido comparativamente com o que, por exemplo, há 50 anos, se realizava em Coimbra com certa originalidade e de forma duradoira e irrepetível em relação ao futuro.

Se voltasse a Coimbra, que faria pelo governo da cidade? E pelo governo da universidade?
Faria aquilo que no momento mais se adequasse e fosse conforme com a minha perspectiva.
fonte ~ As Beiras Online


28 de outubro de 2007

Mário Pacheco | Clube de Fado

Mário Pacheco
Clube de Fado

World Connection, 2006

Já diz o ditado que “filho de peixe, sabe nadar”. E no caso de Mário Pacheco, a sabedoria popular não poderia ser mais acertada!

Sendo filho do guitarrista António Pacheco, quem acompanhou a alguns dos melhores fadistas, desde muito novo se enraíza no mundo do fado.

O seu percurso inicia-se no acompanhamento de viola rítmica, tendo feito, inclusivamente, a formação em guitarra clássica pela Academia de Música de Lisboa. No entanto, tocar guitarra portuguesa era o seu anseio, atrevendo-se a ubstituir a viola pelo instrumento que ele próprio afirma que “mais expressivamente define o fado”. Então, era considerado como um dos melhores instrumentistas de viola, criticando-se a sua decisão, por temor a perder-se um excelente violista para um mau guitarrista. Mas o tempo provou o contrário, e contra factos não há argumentos! A comprová-lo está a sua discografia, desde 1992 até ao seu último trabalho “Clube de Fado”, nome da sua casa de fados na zona de Alfama, um espaço de referência no ambiente fadista de Lisboa.

É neste retiro artístico onde Mário Pacheco dá a conhecer a sua interpretação do fado, acompanhado pelas melhores vozes da actualidade, como é o caso de Rodrigo Costa Félix, Ana Sofia Varela, Camané e Mariza. Precisamente, estes fadistas da nova geração colaboram neste disco, gravado ao vivo no aristocrático Palácio Nacional de Queluz (concerto que se pode apreciar no DVD de acompanhamento), interpretando composições próprias de Mário Pacheco, algumas das quais, grandes êxitos internacionalizados pela voz de Mariza.

É um disco de tradição, mas igualmente de abertura a uma sonoridade mais contemporânea, especialmente as guitarradas de composição própria, instrumentais onde a guitarra portuguesa não deixa lugar à indiferença. É um disco de amadurecimento musical e de homenagem a todas as suas fontes de inspiração e admiração, nomeadamente Carlos Paredes e Fontes Rocha. Imperdível!

© Sara Louraço Vidal, 2007

17 de outubro de 2007

PETIÇÃO GDA -DIREITOS ARTISTAS-PL132/X DO PARLAMENTO

Durante anos esperámos por uma Lei para o Estatuto do Artista, e finalmente ela aí está (quase)!
No meio da magnitude dos problemas de insegurança e precariedade, desemprego e falta de protecção social que afectam os Profissionais do Espectáculo, e a que o presentes diplomas em discussão (PS, PCP e BE) ensaiam uma resposta, facilmente passariam despercebidas, para a maiorparte das pessoas, as catastróficas implicações do conteúdo do Artº.17 da proposta do Governo.
Não só a GDA, como também muitos e muitos Artistas, Actores, Músicos e Bailarinos lutaram ao longo de duas décadas para por fim à cedência coerciva dos seus Direitos de Propriedade Intelectual.
A Lei 50/2004 veio finalmente, no seu Artº178, consagrar a Gestão Colectiva Necessária como a única forma de garantir o livre, equilibrado e efectivo exercício dos nossos Direitos individuais,
utilizando um mecanismo de analogia com Directivas europeias transpostas para a nossa legislação em 1997, o qual nunca foi posto em causa do ponto de vista constitucional ou qualquer outro.
O Governo vem agora, de forma algo cínica, à boleia das carências da situação sócio-profissional dos Profissionais do Espectáculo, ceder às pressões, nomeadamente das Televisões e Operadores de Exploração de Conteúdos Digitais, impondo a regulação dos nossos Direitos de Propriedade Intelectual através de Contrato de Trabalho ou Instrumento de Regulação Colectiva, no sentido de reverter as coisas para a situação anterior a 2004.

Leiam todo o texto dirigido ao Presidente da A.R. se tiverem a paciência mas, pelo menos, meditem na conclusão e ASSINEM A PETIÇÃO!!!
http://www.PetitionOnline.com/N17132X/

Vamos conseguir mais de 4.000 assinaturas!

Grande Abraço,
Pedro Wallenstein
Presidente de GDA-Gestão dos Direitos dos Artistas

6 de outubro de 2007

Fados - Vários (2007)

Foi necessário um estrangeiro para mostrar ao mundo aquilo que é genuinamente português. A banda sonora de «Fados» mostra o que há-de melhor no fado.

É o filme mais falado do ano em Portugal. «Fados», de Carlos Saura, retrata um cenário português através da câmara de quem nunca viveu em Portugal e fá-lo com tremenda sensibilidade e propriedade. Mais uma vez, foi necessário vir alguém de fora mostrar o que neste caso se faz de bom em Portugal.

Claro que a acompanhar um musical desta estirpe, só poderia estar uma banda sonora à altura. E nesse aspecto, «Fados» tem um prolongamento brilhante na música, não só pelo nível dos intérpretes como também pela capacidade de ser eclético sem desvirtuar a essência do fado.

Em «Fados» há um pouco tudo. Revelações, como o são Cuca Roseta ou Catarina Moura, consagrações que já o são à partida, como é o caso de Carlos do Carmo, valores seguros e fundamentais para o fado, como Mariza e Camané, e até cruzamentos como nas participações de NBC e SP & Wilson.

«Fados» apresenta também o valor acrescentado das participações de Chico Buarque e Caetano Veloso. É que apesar do fado ser a expressão musical mais portuguesa que se conhece, importa não fechar as portas a um som que, nos últimos anos, tem conhecido diversas tentativas de miscigenação.
fonte ~ Davide Pinheiro/Diário Digital

3 de outubro de 2007

Rotunda - novo projecto sonoro

César Prata apresenta-nos mais uma "subversão" (saudável, há que referir) da música tradicional portuguesa: o projecto "Rotunda", do qual podemos ouvir 2 temas, que estão disponíveis no seu blog. E dá vontade de esperar por mais!

Comboio (a vapor) [César Prata]
César Prata: bandolim eléctrico, programações, samples e viola braguesa.
Saca-Sons [participação (muito) especial]: adufes
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Ó, ó, menino, ó (Canção de embalar) - Nozedo de Cima [Trás-os-Montes]
César Prata: bandolim, flauta de bisel contralto, fauta de bisel sopranino, programações e voz.

WOMEX 2007: O nosso “samurai” em Berlim

Rui Mota, um dos seis “samurais” responsáveis pela selecção das quatro dezenas de projectos seleccionados para os “showcases” da WOMEX 2007, descreve como viveu esses dias intensos e como foi difícil ao júri ir eliminando outros canditados tão bons quanto os que se irão apresentar ao vivo em Sevilha entre os dias 24 e 28 de Outubro.

SEM RESSACAS DE BERLIM

No dia que voei para Berlim, levantei-me às cinco da madrugada.

Tinha prometido a mim mesmo não ouvir música nos dias anteriores, para que a minha cabeça e ouvidos estivessem “limpos” antes da maratona germânica.

O taxista que me conduziu ao aeroporto tinha, certamente, outra ideia em mente e não se envergonhou de partilhá-la comigo. A partir do momento em que entrei no táxi, sabia que teria de ouvir um sonante “funaná” de Cabo-Verde. A voz era de Tito Paris. Conheço Tito dos clubes da noite lisboeta e gosto de música cabo-verdiana. O condutor notou o meu interesse e, da conversa que se seguiu, outro CD apareceu: desta vez Nancy Vieira, interpretando uma “morna”. A “corrida” para o aeroporto levou menos de vinte minutos, mas nesse curto espaço de tempo tive de escutar 5 ou 6 cantores cabo-verdianos diferentes. O taxista ficou satisfeito por ter um cliente com quem pudesse falar sobre música do seu pais natal e eu fiquei contente por poder dividir com ele este gosto universal por sons únicos. Já no avião, enquanto anotava os nomes das canções que tinha acabado de ouvir, prometia a mim mesmo comprar alguns deles quando regressasse a Lisboa. Todos eram bons e, em tão pouco tempo, eu não conseguia decidir qual deles era melhor. Sem o saber, o condutor de Cabo-Verde tinha antecipado os dilemas que eu encontraria naquele fim-de-semana em Berlim.

O “Johann Hotel” é um pequeno e acolhedor edifício com cerca de trinta quartos, no famoso bairro de Kreuzberg. Para além de alemães, podem ver-se inúmeros emigrantes turcos e cidadãos asiáticos da Índia, China e Tailândia naquela zona da cidade. Nos cafés e parques circundantes, a “música do Mundo” mistura-se durante todo o dia. Sente-se uma atmosfera descontraída e podemos caminhar pelo parque ou beber uma (boa) cerveja num dos barcos-restaurante do urbanhafen. Aí encontrámo-nos pela primeira vez, todos os membros do júri, com Gerald e Christine da Womex. Eles foram os nossos guias nessa noite e a música foi, naturalmente, o tópico da conversa nesse primeiro encontro.

Os escritórios da Womex são a cerca de dez minutos do “Johann Hotel” e para lá nos dirigimos no dia seguinte, cheios de coragem para iniciar o grande trabalho, ainda não eram 10 horas da manhã. Os escritórios estão situados num antigo e bem cuidado edifício, que em tempos terá sido um hospital ou uma instituição similar e que, actualmente, está transformado num espaçoso “lof”. Espaços abertos e milhares de CD´s e livros sobre o circuito da Música do Mundo. Nada de surpreendente, uma vez que é ali, também, a sede da editora “Piranha”. A primeira surpresa surgiu com as caixas das candidaturas aos “showcases”: mais de trinta, de cartão, contendo 650 envelopes com materiais dos candidatos para serem vistos e ouvidos pelo júri, em apenas dois dias e meio…

O facto da Ásia e da África terem menos candidatos, não significava que estivéssemos satisfeitos com as primeiras horas de discussão sobre os gostos e critérios no grupo. Eu não estava. A segunda metade do dia, dedicada às Américas (Norte e Sul) e à Europa, seria ainda mais difícil. Por outro lado, esta era a música onde eu me sentia mais à vontade e isso ajuda sempre. O difícil era a qualidade a eliminar. Já passava da uma da manhã do dia seguinte e tínhamos reduzido a lista a 120 nomes.

O segundo dia seria, se possível, ainda mais polémico pelo que foi impossível evitar a discussão dos “experts” em redor da mesa. Apesar disso, não foi difícil concordar com a excelente “inside information” trazida por Bill dos Estados Unidos ou o gosto escandinavo de Siogborn e a sua experiência radiofónica. Menos expressivos, mas dotados de grande conhecimento, foram Peter de Praga e Gaelle de Paris, a representante francesa no júri. Por outro lado, Hermínia (Espanha) teve o gosto e o humor suficientes para nos ajudar a atravessar as horas mais negras da noite. O dia findou às duas da manhã seguinte. Tínhamos trabalhado durante 14 horas consecutivas e chegado a uma primeira lista de 70 nomes. Destes, uma lista final de 40 artistas estará presente em Sevilha. Isso sabíamos de certeza.

Quando estes apontamentos forem publicados, os nomes dos artistas seleccionados para actuarem na próxima Womex serão conhecidos em todo o Mundo.

Após ouvir mais de 650 candidatos em três dias de 12 e mais horas de trabalho, os membros do júri (uns verdadeiros “samurais”!) fizeram a sua escolha: 40 nomes de grupos e artistas individuais que representam uma larga paleta de estilos musicais, países e, claro está, gostos pessoais.

Dadas as premissas e linhas de orientação conhecidas antecipadamente, devo admitir que fizemos um bom trabalho. Não que outros bons nomes, não pudessem ser igualmente escolhidos. Certamente outros quarenta, ou mais…

E este foi a principal problema do júri: como escolher bem, quando os candidatos eram tão bons?

Devo confessar que – estando pela primeira vez no “outro lado da barricada” – isso deu-me uma melhor percepção dos tremendos esforços que todos fizeram para dar uma oportunidade real à maioria dos grupos. Esta é uma responsabilidade que tenho de dividir com todos os meus colegas. Estou certo que todos eles concordam com a minha opinião: a dificuldade não foi fazer escolhas, mas eliminar nomes e, nesse sentido, ser obrigado a fazer escolhas…

São demasiados os exemplos para serem mencionados aqui. Pessoalmente, estou muito satisfeito que artistas como MAYRA ANDRADE (Cabo-Verde) ou TANYA TAGAQ (Canadá), possam estar presentes. Dos restantes nomes, as minhas preferências vão para os KASAI ALLSTARS (Congo), que falharam a edição do ano passado devido a problemas com os “vistos” e prometem um “show” colorido, onde a energia posta em palco não será inferior à música tocada. Grande música africana em perspectiva, pois. O “tanguero” MELINGO (Argentina), representante da velha escola “lunfarda”, com um timbre a lembrar o mestre Goyeneche, é outro nome a fixar. SIBA E A FULORESTA (Brasil), um verdadeiro caleidoscópio de ritmo e cor, é bem representativo da riqueza nordestina brasileira e um “must”. O grupo 3 CANAL (Trinidad e Tobago), um trio de cantadores-dançarinos que mistura hip-hop, ska e música electrónica, num espectáculo frenético, promete ser uma das surpresas destes “showcases”. FANFARA TRIANA (Albânia) uma “brass-band” pouco clássica, onde os sopros se misturam com as belas polifonias Balcãs, num espectáculo pleno de intensidade e técnica arrepiantes. TARA FUKI (República Checa) uma cantora surpreendente, na voz e atitude “zen”, onde o minimalismo das interpretações conseguem atingir uma atmosfera verdadeiramente encantatória. ROSS DALY (Irlanda/Grécia) o veterano tocador de “lyra” grega, que interpretará as belas melodias tradicionais de Kreta acompanhado do seu grupo “Labyrinthos”. Finalmente, os famosos BALKAN BEAT BOX, que têm dominado as “charts” europeias da “World Music” e que, em Sevilha, não deixarão os seus créditos por mãos alheias…

Todos eles aceitaram o convite para estarem em Sevilha. Nessa altura poderemos ajuizar da qualidade da sua música. E a boa música é, como todos sabemos, o último critério para julgar um músico no seu melhor. Não disfarço a minha impaciência.

Rui Mota (membro do júri Womex 2007)

WOMEX 2007: Portugal volta a conquistar o mundo

A WOMEX, principal feira de músicas tradicionais (e tudo à volta), tem sido ao longo de cerca de década e meia de existência, “a” montra de projectos emergentes dos quatro cantos do mundo que aí se dão a conhecer à imprensa e, sobretudo, aos programadores dos principais festivais do planeta. Uma boa prestação num “showcase” de meia-hora poderá representar a aquisição de uma “carta verde” para actuações regulares na Europa e na América do Norte e a possibilidade de um disco desse projecto ser distribuído a nível mundial. Apesar de haver inúmeros artistas que não necessitam de actuar neste certame para entrarem no “circuito”, o certo é que os seus agentes e editores não dispensam os três ou quatro dias de contactos ao mais alto nível que esta feira proporciona.

Se olharmos para o panorama da música feita por cá, verificamos que muito poucos músicos nascidos (ou a residirem) no nosso país pisaram os vários palcos disponíveis para “show cases”. Mas, aqueles que tiveram o talento de o fazer (e a qualidade necessária para convencer os “sete samurais” a integrar determinada “colheita”), como SARA TAVARES ou MARIZA, não esquecerão tão cedo que a WOMEX serviu de “rastilho” para uma carreira internacional que “explodiu” pouco tempo depois. ANA SOFIA VARELA só não aproveitou o mesmo “embalo” porque teve de interromper a sua carreira musical para cuidar do seu rebento.

O fado é, cada vez, mais uma das mais apetecíveis “iguarias” do, cada vez mais, miscigenado “cocktail” da “world music”. Claro que os MADREDEUS foram uma espécie de Bartolomeu Dias que transformaram o Cabo das Tormentas em Boa Esperança, abrindo o caminho à filiação da canção urbana de Lisboa para os palcos internacionais, mostrando aos programadores de festivais “world” e aos “media” da especialidade que em Portugal faz-se um certo tipo de música que é único, só nosso. É essa autenticidade, esse “blues” urbano da cidade de Lisboa, que cativaram editores holandeses (World Connection) e norte-americanos (Times Square) e programadores de espectáculos da vizinha Espanha como a Syntorama que trabalha, provavelmente, com mais músicos portugueses do que espanhóis.

A miscigenação de Lisboa

Lisboa tem sido também berço de muita da música da África lusófona apreciada, sobretudo, lá fora. Inúmeros são os artistas (BONGA, WALDEMAR BASTOS, LURA, SARA TAVARES, MANECAS COSTA, etc) que usam a grande Lisboa como um local onde se recupera energias antes, durante e depois de intensas digressões. Para além disso, certos grupos mais ligados à “folk”começam também a tocar com regularidade em importantes festivais do género. Veja-se a ascensão internacional dos DAZKARIEH. Coisa impensável há uns anos atrás quando alguma “inteligentsia” questionava como seria possível a uma banda, que não se pautasse pela autenticidade que o fado garante a alguns intérpretes portugueses, competir com músicos britânicos ou nórdicos tecnicamente muito mais dotados. Apesar de nunca terem tido a oportunidade de efectuar um “showcase” na WOMEX, a banda de VASCO RIBEIRO CASAIS tem tido presença assídua nestes últimos quatro anos. Basta olharmos para a agenda de concertos dos dois últimos anos para verificar que o quarteto já começou a colher os frutos do investimento efectuado e nunca prescindirá de regressar a esta feira.

Este ano, os GAITEIROS DE LISBOA asseguraram a única presença portuguesa nos “show cases” da WOMEX e JANITA SALOMÉ foi seleccionado para uma segunda lista de reservas para colmatarem eventuais desistências entre as cerca de quatro dezenas de projectos alinhados. Curiosamente, dois nomes não ligados ao fado entre um dos mais fortes lotes de sempre, com alguns “tubarões” pelo meio, que não precisavam de ir à WOMEX para serem figuras de cartaz nos principais festivais “world”, como são os casos de BAJOFONDO TANGO CLUB, MAYRA ANDRADE ou TOUMAST. Aqui se constata, quer importância cada vez mais determinante na angariação de datas para a “tournée” de uma banda, quer a maior qualidade dos projectos seleccionados pelo júri que parece saber, felizmente, o que é a nata da nata da música tradicional portuguesa além fado.

fonte ~ Luis Rei