31 de outubro de 2007

"Vamos deixar que seja o público a escolher-nos"

Ana Sofia Varela, José Peixoto, Fernando Júdice e Vicky – os músicos que fazem o projecto Sal – estão praticamente na recta final de uma digressão nacional que já os levou, entre outros palcos, ao Teatro Viriato, em Viseu. Depois do concerto desta noite, em Coimbra, a digressão prosseguirá em Sintra, a 2 de Novembro, para encerrar em Lisboa, a 21 de Dezembro, no Centro Cultural de Belém. Em entrevista ao DIÁRIO AS BEIRAS, José Peixoto, um dos mentores do projecto, falou da música que fazem, das suas intenções e das referências (geográficas e culturais) que têm tudo a ver com o percurso da língua portuguesa.

DIÁRIO AS BEIRAS – "Uma nova música vincadamente portuguesa que visita o fado de uma forma inesperada". Esta frase, que tem servido para apresentar o vosso projecto, significa exactamente o quê?
José Peixoto – Quer eu quer o Fernando Júdice, quando idealizámos este grupo, sabíamos apenas que queríamos fazer música original em português, que se sentisse portuguesa (não pela integração de fórmulas do nosso folclore mas pela digestão, mais ou menos estilizada, que dele fazemos), e que de alguma maneira pudesse passar pelo fado. Nenhum de nós, enquanto músicos, teve um passado ligado ao fado. Sabíamos como fazer a música aproximar-se dele mas não queríamos fazer fado enquanto tal. Daí a escolha por uma voz que viesse do fado, o que, só pela presença desse canto original e único, viesse permitir essa tal visita de que falou atrás. Assim procurámos esse ponto de equilíbrio entre a expressão do canto do fado e uma música que, sem o ser, permitisse a evolução dessa expressão. O resultado revelou-se interessante e motivador.

Mas a vossa música vai muito para lá das fronteiras físicas do país, cruzando "a raiz ibérica com a dimensão atlântica do percurso lusófono", como já alguém disse. É assim?
Sim, procuramos a universalidade e esse conjunto (poético) de referências geográficas e culturais que têm a ver com o percurso da língua portuguesa no mundo e onde ela se estabeleceu e vive. Tudo sem nunca perder de vista o nosso ponto de partida ibérico.

Onde encaixa a "mestiçagem" nesta vossa nova proposta musical?
Precisamente no resultado do convívio subjectivo e criativo com essas referências. Encontram-se estilizados (não importados) na música que fazemos elementos alusivos a todos esses lugares.

Como é que aconteceu o encontro dos quatro músicos – Ana Sofia Varela (voz), Fernando Júdice (baixo), José Peixoto (guitarra clássica) e Vicky (Bateria) – num projecto a que chamaram Sal?
O Fernando Júdice e eu já há muito que nos conhecemos e já há muito que trabalhamos juntos. Antes, durante e depois da nossa passagem pelo Madredeus. Fizemos, em duo, no ano de 2002 o cd "Carinhoso" com música do compositor brasileiro Pixinguinha. O nosso convívio musical aí deu muito bons frutos. Desenvolvemos, a partir de uma maneira espontânea de juntar os nossos dois instrumentos, uma expressão original e única. E foi com essa motivação e com a garantia desses resultados que decidimos criar um projecto em que transportássemos essa expressão única para um contexto de música original. Foi esse o começo do Sal. Percebemos que uma percussão daria a cor e o vigor rítmico que queríamos imprimir à música e foi fácil chegar ao Vicky, percussionista com quem já tinha trabalhado no meu disco anterior ("Pele", com Maria João). Foi-lhe pedido que desenvolvesse um instrumento que se situasse entre a bateria e a percussão. O resultado é surpreendente. Por fim a Ana Sofia Varela juntou-se ao grupo, aconselhada pelo letrista que connosco trabalhou, o Tiago Torres da Silva, porque achou que seria a voz certa. A primeira experiência que fizemos em estúdio com ela, confirmou essa opção. A Ana é fadista e cresceu na vila de Serpa onde se abriu ao canto alentejano e também à música vizinha da Andaluzia. Estas três vertentes confluem no seu canto dando um tom de exotismo que redimensionou a música que estávamos a trabalhar.

Sal porquê?
De todas as ideias que surgiram para o "baptismo" do grupo, a que de alguma maneira simbolizava a nossa situação geográfica e cultural, a nossa relação com o oceano e a nossa atitude itinerante, era a que estava associada à palavra Sal. Foneticamente também se apresentava apelativa. Surgiu como uma evidência. Daí a escolha.

Desde a apresentação de "Sal", em Março último, o grupo tem percorrido o país numa digressão que não passa apenas pelos palcos principais. A vossa intenção é chegar a que público? A todo o público?
A nossa intenção é poder partilhar e mostrar a música e o concerto que fazemos ao máximo de público possível e nos locais considerados por nós adequados. Sabemos que não vamos ser nós a escolher o público. Vamos sim deixar que seja o público a escolher-nos.

E como é que tem sido o acolhimento nos concertos em que já se apresentaram?
Depois do efeito surpresa que a originalidade da nossa música provoca (digo isto sem qualquer tipo de presunção. É apenas baseado nos ecos que nos vão chegando...), há uma sintonia e uma compreensão emotiva evidente e o acolhimento surge natural e caloroso.

Alguma expectativa particular para o concerto em Coimbra?
Todos nós já tocámos em Coimbra com projectos e em eventos muito diferentes e ninguém tem más memórias de nenhuma situação. Até podemos afirmar que pela sua cultura, dinamismo e tradição, Coimbra é uma cidade musical. O que por si já deixa adivinhar uma visita estimulante. Queremos oferecer a Coimbra o "desafio" do nosso concerto sabendo de antemão que o público dessa cidade é um público aberto e que nos irá receber bem.

E o mercado além fronteiras, é vossa intenção conquistá-lo?
Naturalmente.

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