26 de junho de 2008

Aldina Duarte: Mulher de armas

Aldina Duarte está de regresso com um terceiro disco «feminino e feminista». Ao Diário Digital, falou do seu percurso, das mulheres e do fado.

O que representou para si a saída da EMI e o consequente trabalho pelas suas mãos?
«Sair da EMI foi mais um desafio no meu percurso profissional, uma nova adversidade a combater, mais um teste à minha resistência artística, acima de tudo, reforçou esta minha realidade de andar sozinha nesta espécie de margem… e uma tomada de consciência de mais uma das manifestações do capitalismo selvagem, que nunca me surpreende na sua insensibilidade e arrogância. Paralelamente, esta situação revelou-me a competência, a generosidade e a amizade profissional duma equipa excelente em qualquer das áreas relacionadas com a produção e divulgação dum CD, todos ex-funcionários da EMI, agora cada um em locais de trabalho diversos, porém, juntos de novo neste meu terceiro disco, «Mulheres ao Espelho»!

Sente que os artistas devem ser cada vez mais do que artistas e passarem a controlar outros processos?
«Ganhamos sempre todos, artistas, produtores, editores e público em geral, quanto mais cada um se envolve no conhecimento do todo em que somos parte. Isto é válido para qualquer matéria da vida!»

Pela primeira vez, um disco seu tem uma capa colorida. Porquê?
«Porque as Mulheres têm uma flexibilidade afectiva e racional muito abrangente!»

«Mãe, eu quero ir-me embora - a vida não é nada». Revê-se nestas palavras?
«Revejo-me em qualquer sofrimento humano, é uma coisa de sangue e pele… é um sentimento de fraternidade involuntário, é o que nos torna verdadeiramente humanos, a consciência do outro… penso eu.»

Porquê a homenagem a Maria José da Guia, Hermínia da Silva e Lucília do Carmo?
«Porque são três fadistas a quem dedico muito tempo a ouvir para aprender a dizer bem as palavras, a dividir bem as frases, a saborear o ritmo e o balanço dos fados… a desvendar as melodias nas suas subtilezas… porque me dão força para avançar no meu caminho, enquanto fadista, quando as oiço, penso sempre: «obrigada por não terem desistido desta arte que seria bem mais pobre sem vocês» e «por me darem momentos de grande inspiração e comoção tão necessários na minha vida em geral».

Podemos considerar «Mulheres ao Espelho» um álbum feminino?
«Feminino e feminista. Gosto muito de ser mulher e das mulheres em geral; e quis dar voz a mulheres à margem, vítimas de preconceitos arrepiantes para qualquer ser humano pensante, mesmo que pouco sensível. Qualquer homem que goste das mulheres entenderá facilmente a grandeza dos sentimentos e das atitudes das mulheres cantadas neste disco, nestas histórias a que assisti… de fiz parte directa ou indirectamente… e sinto uma gratidão por todas as mulheres e homens que lutaram anonimamente na maior parte dos casos, e publicamente também, para que eu seja sobretudo mais livre e feliz por tudo o que a liberdade têm em si de explícito e implícito.»

É conhecido o seu trabalho de pesquisa no fado. Continua a emocionar-se com o fado?
«Surpreendo-me constantemente… e a minha dedicação e amor a esta arte é incondicional. Acho como todas as formas artes transcendente nos seus mistérios… emociono-me continuamente com o Fado, no meu dia-a-dia quando canto e quando oiço… e tenho a certeza que, como qualquer arte superior, é de todos e não é de ninguém… há uma vida própria na criação artística que está para além do entendimento de um só ser humano… há que ter a humildade de trabalhar, trabalhar , sem pensar nos resultados. Já ouvi falar do Fado á semelhança de Deus, cada um tem direito à sua Fé, porém, custa-me a aceitar aqueles crentes que acham sempre que estão mais perto de Deus que os outros, que eles acham que estão sempre longe ou mesmo de fora da esfera divina, neste caso fadista… eu sou pelas portas sempre abertas a todos como nas igrejas.»

Como vê este interesse súbito do grande público por alguns fadistas (Mariza, Camané, Ana Moura)?
«Vejo como uma vontade dos portugueses de salvaguardar uma parte da sua identidade cultural, valorizando uma forma de arte que foi esquecida durante um certo tempo e que só existe aqui, em Portugal, e que por isso está a ter receptividade no mundo inteiro. O fado está na moda, ou melhor, continua na moda de há uns anos para cá, o que pode ser bom se a atenção for também direccionada para os muitos e brilhantes cantores, músicos, compositores e letristas que fazem a história desta Arte de tradição oral que tem graças a todos resistido e persistido desde há pelo menos 150 anos…»

fonte ~ disco digital

princesa prometida
mulheres ao espelho, 2008

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