Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
Rogar a Deus que nos guarde
Confiar-lhe o destino na mão
Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais
E do resto entender mal
Soletrar assinar em cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz
Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
A gente morre logo ao nascer
Com olhos rasos de lezíria
De boca em boca passar o saber
Com os provérbios que ficam na gíria
De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solidão cá no fundo
Fica-se sentado à soleira
A ouvir os ruídos do mundo
E a entende-los à nossa maneira
Carregar a superstição
De ser pequeno ser ninguém
E nã quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem
Carlos Tê / Rui Veloso
Rui Veloso, concerto 20 anos de carreira [Fora de moda, 1982]
Isabel Silvestre [A Portuguesa, 1997]
24 de julho de 2009
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