É de maturidade que fala o mais recente disco de Mafalda Arnauth. O álbum, que nasceu nos palcos, oferece um punhado de canções que vivem da serenidade de quem compôs, desenhou e sonhou este álbum.
Se dúvidas houvessem, "Flor de fado", que é lançado no próximo dia 29, tem a plenitude da vista de um "qualquer miradouro". Em entrevista ao JN, a artista falou deste "horizonte aberto, com o rio que leva e traz sentimentos".
"Flor de Fado" só foi gravado depois de uma tournée. Faz sentido "rodar" primeiro o disco na estrada?
É o percurso que qualquer artista acharia ideal. Começar primeiro por sentir as coisas no palco e depois passar para disco. Não foi exactamente com esse objectivo, mas sim porque precisámos mesmo ter um concerto como deve ser e, depois dessa oportunidade, é que acabou por surgir o disco. No fundo, o álbum acaba por ser pedaços do concerto e mais alguns temas originais.
Os originais acabaram, igualmente, por ganhar uma maturidade no palco?
Muitos deles nasceram mesmo no palco, que é a parte mais curiosa. Surgiram nos tempos mortos que temos depois do ensaio de som ou quando estamos a viajar. Aquele momento preciso de preparar tudo em palco acabou por criar inspiração para depois fazermos a outra sonoridade do disco, que é mais intima, diferente.
Há no álbum três versões de "Tinta verde", "Flor de verde pinho" e "Povo que lavas no rio". Como é que cada uma destas três músicas entraram na sua vida?
Antes de tudo, essas músicas têm um papel importante no meu percurso e, por isso, acabo por decidir cantá-las. "Tinta verde" é um tema de alegria. Há muito tempo que admiro o trabalho do Vitorino e achei que a música ia ficar bem na minha voz. Além disso, achei que com o novo arranjo ia ganhar muita vida e isso ia enriquecer muito o concerto. A "Flor do verde pinho" resulta também de uma admiração pelo Manuel Alegre e pelo Carlos do Carmo. É um tema composto há muito tempo e que continua tão contemporâneo. E o "Povo que lavas no rio" pode ser considerada a minha homenagem ao país. Quando decidi cantar este fado, a ideia era fazê-lo como se fosse uma oração. Um momento de irreverência da minha parte e daí um arranjo tão diferente daquele que se costuma fazer. Tentei dirigir-me para um lado mais íntimo, mais caloroso do tema.
Como se deu a sua descoberta como autora de algumas das composições?
Já faço isso desde o princípio da minha carreira. Curiosamente, para este disco, voltei a fazer muitas músicas...
Mas, agora, a composição é mais evidente...
Sim. E sinto que agora o que ficou ainda mais evidente foi a sonoridade, porque fiz um bocadinho de batota e voltei a ouvir não só música brasileira, mas também outros grandes autores portugueses, prestando mais atenção às harmonias. Acaba por se abrir um horizonte muito grande.
"Flor de fado" é um reafirmar da sua parceria com Tiago Torres da Silva?
Sim, a presença dele está muito mais evidente. A admiração mútua que já tínhamos ganha uns contornos muito grandes neste disco. Ele apresentou-me dez poemas e seleccionei dois ou três e disse: 'Estes são a minha linguagem. Agora, vais fazer mais'. Ele, em pouco tempo, apareceu-me com coisas que me impressionaram, que me arrepiaram completamente. "O mar fala de ti" é um exemplo claríssimo de uma encomenda bem conseguida.
Como aconteceu a parceria com a brasileira Olivia Byngton em "Entre a voz e oceano"?
Conheci-a num dos concertos que a Olivia fez em Portugal e antes de ela regressar ao Brasil gravei o tema com ela. No final da canção, rimo-nos uma para a outra, porque sentimos que a música é capaz de originar uma boa química. Temos uma admiração muito grande uma pela outra.
Se o fado tradicional vive em Alfama, qual é a paisagem de Lisboa que tem a cara do "Flor de fado"?
(risos) Ui! (suspiro) Qualquer miradouro. Se calhar, escolho o miradouro do Castelo de S. Jorge, porque é precisamente de onde se sente toda essa antiguidade e, ao mesmo tempo, é um horizonte aberto, com o rio que leva e traz sentimentos.
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