24 de outubro de 2010

Mísia: "Não tenho nada a provar a ninguém".

Em Portugal nunca foi reconhecida como no estrangeiro, mas depois de uma temporada por Paris decidiu voltar a Lisboa, onde já tem concerto marcado. Para o ano há novo álbum.

Estou sempre onde não se espera, tenho o meu próprio timing e o meu timing disse-me que esta era a altura de voltar e gravar um disco de fado tradicional". Assim nos revela Mísia, que chegou recentemente a Lisboa, depois de cinco anos a viver em Paris. Já gravou um novo álbum, intitulado Senhora da Noite, a ser editado no próximo ano. Entretanto vai actuar na Discoteca Lux, a 5 de Novembro.

"Durante muitos anos, as pessoas pensavam que eu morava em Paris e eu própria procurei perceber o porquê disso, talvez porque o que eu estava a fazer no fado era tão diferente ou tão prescritivo do que iria acontecer mais tarde que por isso não poderia ser feito aqui", refere quanto à partida para Paris.

No entanto, abandonou o País precisamente numa altura em que o fado começava a ganhar uma maior visibilidade: "Num momento de inflação de novas vozes, com o fado na moda, precisava de alguma distância. Aliás, comecei a gravar discos que não eram só de fado precisamente quando começou a ficar na moda", confessa.

Se fora de Portugal sempre foi bastante aclamada, o mesmo não aconteceu no seu próprio país, onde causou bastante controvérsia enquanto estava a dar os primeiros passos no fado, há 20 anos. E por causa de algumas opções estéticas e artísticas que se distanciavam do que era então a imagem convencional desta música: "A tradição já não é o que era, porque também há photoshop para a tradição. Mas tanto no fado como no tango a tradição sempre foi a mudança, nunca a imobilidade, porque são músicas urbanas, que receberam várias influências", afirma.

Quando partiu para Paris "nem sabia se voltava ou não". "Desins-crevi-me dos jornais online, nem me passava pela cabeça ir comer um caldo-verde a Paris, levei tudo comigo. Mas é curioso que também nunca consegui fazer o corte definitivo, nunca me decidi a vender esta casa (de Lisboa)", conta. A decisão de regressar a Portugal "foi complicada": "Cheguei a um momento em que tinha uma despesa tão alta com as duas casas, com a minha mãe, que entretanto faleceu, que tinha de escolher entre vender esta casa ou voltar", lembrou.

Passados cinco anos, sente que Lisboa se tornou "muito mais cosmopolita": "A cabeça das pessoas mudou muito, dantes havia uma imensa falta de curiosidade pelo outro, era tudo muito paroquial, muito foral".

No entanto, apesar de as feridas com Portugal estarem já saradas, não esquece alguns dissabores por que passou: "Quando vim para cá, em 1990, vinha com uma grande necessidade de pertença, vim para pegarem em mim ao colo e aconteceu precisamente o contrário. Na altura tinha um grande companheiro de viagem, o Paulo Bragança, e nós estávamos entre a Amália Rodrigues e a nova geração, ou seja, em nenhures. Chamaram-nos de tudo, diziam que eu desafinava. Para muitas pessoas éramos para abater."

Apesar das críticas negativas que ouviu, não parou de cantar e de gravar novos discos: "Há algo que explica a minha luta, porque tinha de mandar dinheiro para a minha mãe, alimentar os meus gatos, manter a minha casa, porque eu não tinha um património." Trabalhar intensivamente no estrangeiro não foi uma opção: "Fui sempre para onde me chamavam, não decidi trabalhar muito no estrangeiro", conta.

A própria fadista hoje sabe que houve vários factores que causaram estranheza quando apareceu: "Não tinha um homem ao meu lado, não tinha um guitarrista, era divorciada. Além disso, não tinha o carimbo do Carlos do Carmo ou do João Braga. Não fui pagar portagem a ninguém, e não o fiz por falta de respeito, mas por falta de tempo, porque ter de pagar o aluguer da casa naquele mês era muito mais importante do que ficar à espera que alguém me aprovasse", recorda.

Actualmente já não sente uma necessidade de pertença como quando começou a cantar o fado: "Hoje estou em paz comigo mesma. As pessoas que não gostam, nunca vão gostar, mesmo que eu me matasse toda à frente deles. E se há 10 anos estava muito preocupada com qualquer gesto que fizesse poder provar que não era fadista, hoje não tenho nada a provar a ninguém".

De futuro espera continuar a ser "subversiva" como foi no início da sua carreira. Já a nova geração é para Mísia "muito consensual": "Ainda bem que há novas vozes e que são boas. Mas, como em todos os tipos de arte, não sou muito atraída por pessoas que cantam aquilo que lhes dizem, respeito a essencialidade artística de cada um. Sendo tão novos inspiram mais carinho e simpatia, mas há muito boas vozes", afirma.
fonte ~ dn

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