17 de fevereiro de 2009

Entrevista Mafalda Arnauth [Flor de Fado, 2008]

Sendo este o seu quinto trabalho, podemos considerá-lo como o despontar para um “novo fado” mais pessoal e intimista?

De alguma forma, tenho procurado sempre transmitir algo extremamente pessoal, íntimo, transparente que decorre do facto de cantar muitos temas da minha autoria e que não são mais do que reflexo da minha forma de estar na vida. Este talvez seja o album onde a sonoridade e a musicalidade estãp mais de acordo com esse Universo ainda mais profundo da nossa intimidade, pelo som mais quente, mais depurado, que sinto até, como mais amadurecido.


É o disco da consolidação ou da renovação?

Será sempre o consolidar de um momento cheio de detalhes e vivências que ficarão para sempre associados a este disco, na minha memória. Quanto à apreciação que as pessoas dele fazem parece-me que o sentimento mais comum é de sentirem algo de muito verdadeiro que de alguma forma é coerente com tudo o que tenho feito. Reafirma-se a minha vontade de cantar a vida, as emoções e de o fazer enquanto fadista que tem um horizonte muito próprio de sonoridades, que tendo o fado por raíz, gosta de “conversar” com outros géneros e de realçar os sentimentos de uma forma musicalmente pouco comum no fado.

Como é que entende o binómio tradição/inovação no mundo do Fado?

Sinto sempre que maior do que a tradição é a herança que realmente fica, que as gerações escolhem recordar porque em qualquer momento é a sua própria identidade que descobrem nessa riqueza, muita dela tradicional, muito já inovadora para a altura em que surgia e que será essa mesma memória e a vontade de manter algo vivo porque é incontornável na vida de cada um, que ditará o futura da inovação que hoje se faz.


Porquê “Flor de Fado” e porquê falar sobre o Amor?

“Flor de Fado” claramente porque são sentimentos que floriram, depois de algum crescimento, de raizes que se descobrem profundas e dão origem a flores muito particulares. Também como forma de simbolizar cada pessoa, cada ser, que ocupa um lugar especial neste disco, no concerto, na medida em que eu sinto que represento cada pessoa ao cantar, nas alegrias, nas tristezas, nas vitórias, naquilo que torna cada um de nós Unico. Ainda como uma alusão à “flor de sal”, como algo num estado mais puro, mais rico e talvez ainda com mais sabor...
O Amor surge neste disco, porque nada me parece mais crucial, mais urgente e mais relevante para a Humanidade e para todo este sentido que descubro em “Flor de Fado” e em cada um de nós. Surgiu como um desafio no poema de Eugénio de Andrade, que descobri, “Urgentemente”, e impôs-se como algo que tinha de transmitir e quem sabe convidar a descobrir em cada um de nós.

Recentemente colaborou no último disco do grupo galego “Milladoiro”. De que forma se produziu essa aproximação?

Através de um convite do próprio grupo, para grande satisfação minha, uma vez que tenho particular gosto nesta colaborações, principalmente quando além da possibilidade de participar no disco, ocorre ainda a possibilidade de estar em palco, onde, para mim, verdadeiramente tudo acontece. Milladoiro é um grupo de grande carisma e ter oportunidade de desfrutar do seu publico, onde transpira fidelidade, carinho e anos de admiração e lealdade é realmente um privilégio.

Desde a música de intervenção, particularmente com o Zeca Afonso, que se constata uma crescente colaboração entre músicos galegos e portugueses. No seu caso, já conhecia alguma coisa sobre a música galega, ou foi o primeiro contacto?

Tenho especial admiração pela Uxía, que conheci recentemente e que é um exemplo admirável de outra artista muito querida das Galiza, com um repertório de imensa sensibilidade e riqueza e com a força própria dos grandes artistas. Muitas coisas nos aproximam, Portugal e Galiza e em certos momentos cantar em Galego é para mim um reconhecimento de algo que me é extremamente familiar e por isso muito cativante.

Se por um lado assistimos à falta de apoio político, tanto de Portugal, como do Estado Espanhol, à candidatura do património imaterial galaico-português a Património da Humanidade, por outro, o disco “Quinta das Lágrimas” foi considerado como a “banda sonora” da euro-região Norte de Portugal/ Galiza. Esta aproximação institucional, é somente algo pontual ou pode contribuir a uma maior consciência em Portugal de que partilhamos unha cultura comum?

Quando me encontro em palco, por exemplo, com Milladoiro, a sensação que me percorre é imensamente Grande, como se naquele momento algo de muito especial estivesse a acontecer. Apercebo-me que o encontro, a partilha e a troca de conhecimento já são uma realidade e que de vários momentos pontuais tem surgido um caminho. Acredito nele e acredito claramente que muito podemos ainda fazer e do que tenho assistido, o publico também acredita, gosta e quer mais!

Entrevista publicada no jornal La Voz de Galicia (Galiza), no dia 14 de Fevereiro de 2009.

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