Se, como opina a cantora e actriz Simone de Oliveira, "o trono do fado é e será da Amália", Tozé Brito - editor, músico e produtor - destoa da maioria das opiniões colhidas pelo JN junto da comunidade fadística e de outras áreas artísticas, ao defender que nada invalida o aparecimento de uma artista que possa "rivalizar" no futuro com o prestígio da autora de "Foi Deus". Ana Moura foi o nome mais vezes referido entre os interlocutores.
"Temos uma geração de gente nova - como Ana Moura, Mariza e Carminho - que já começa a actuar em todo o Mundo. Daqui a dez ou 20 anos, podemos estar a olhar para a Amália de forma diferente. É evidente que ela foi uma intérprete fantástica, mas daí a dizer que o trono será eterno...", defende, relembrando ainda que Amália só atingiu a maturidade artística já depois dos 40 anos, quando cantou Alain Oulman e os poemas de Mourão-Ferreira e O'Neill.
Fadista mais citada pelas personalidades inquiridas pelo JN, Ana Moura é também elogiada por Lenita Gentil, embora de forma contida: "Não tem uma grande voz, mas o timbre é agradável". Com uma carreira que já vai nas quatro décadas, Lenita não é propriamente uma fã devota das revelações do fado - "se aproveitarmos uma pessoa ou duas dessa gente toda, já é muito", garante -, mas destaca ainda o nome de Raquel Tavares, cuja "voz fadistona" apresenta "semelhanças com a de Beatriz da Conceição".
"Ter uma grande voz não chega e a Amália tinha tudo. Uma entrega total. Quando a ouvíamos, sentíamos mesmo o que ela cantava", declara Lenita Gentil.
Opinião distinta tem o fadista António Zambujo, que professa "admiração por Mariza, devido à brilhante carreira que tem construído ao longo dos anos". Mesmo com um percurso internacional amplo, a autora de "Fado curvo" não gera consenso entre os seus pares. Simone de Oliveira (que também refere Ana Moura), por exemplo, acredita que Mariza é, mais do que a voz, "um 'boneco extraordinário".
O musicólogo Rui Vieira Nery prefere destacar "Mariza, Carminho e Ricardo Ribeiro". Na geração imediatamente anterior, elege "Aldina Duarte e Camané" como principais fadistas a reter.
Pela revelação contínua de novos valores, Vieira Nery é da opinião que o momento áureo por que passa o fado está longe de ser uma simples moda. "Há uma onda de fundo que já não pode ser mudada", assume, ao mesmo tempo que justifica o eclipse de carreiras longas com "a lei da vida": "O que é perene e tem vitalidade própria dura, o resto desaparece".
Já para Tozé Brito, a presente moda é "apenas a expressão do mediatismo do fado", porquanto "ao vivo, em casas de fado e não só, sempre houve dinamismo, mesmo quando as músicas não passavam na rádio e na TV". Qualquer que seja o grau de protagonismo atingido pelas vedetas actuais do fado, o futuro, em seu entender, está assegurado, ou não fosse o fado "uma das últimas músicas do Mundo que continuam a ser puras na sua essência, estrutura e estética, ao lado do flamenco e do tango".
Há ainda outro ponto em relação ao qual a comunidade artística, pouco dada a consensos por natureza, está de acordo: o pior que se pode fazer a um novo artista é estabelecer comparações com Amália. Por isso, quando o assunto é a sucessão da primeira grande embaixadora do fado, todos convergem na necessidade de a nova geração trilhar outros caminhos, sob pena de ficar refém de um percurso inatingível. "É um terreno que ficou esgotado pela própria. Felizmente, há outros talhões ao lado em que vão nascendo plantas novas", sublinha ainda Rui Vieira Nery, para quem a questão da sucessão não se coloca "porque Amália era uma personalidade única e irrepetível".
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