Ribatejana de 30 anos, Ana Laíns completa uma década de carreira feita de pé na estrada e força de vontade. Canta fado, mas segue um caminho orientado por uma bússola diferente.
Entre os olhares hostis lançados pelos conservadores e o deleite da crítica internacional, Ana percorre o seu trilho, protegida pela sua voz. Ao primeiro disco Sentidos editado em 2005, segue-se o mais recente Quatro Caminhos, lançado pela editora Difference e produzido por Diogo Clemente. Nele canta poemas de Natália Correia, Ruben Darío e Carlos Drummond de Andrade, com composições de Amélia Muge e José Manuel David, entre outros. Se o que canta é fado ou uma afronta aos puristas, não é isso que a define. Só sabe que é cantando que se sente completa e melhor na sua pele.
Jornal de Letras: Comparando o primeiro disco, percebe-se que percorreu um caminho diferente...
Ana Laíns: Não sinto que seja diferente. Acho que é o prolongamento do primeiro, sendo que neste trabalho as minhas certezas são mais coesas. No primeiro disco, que é como um cartão de visita, demonstrei que musicalmente não me cingiria a um caminho específico. Depois de um percurso de muitas incertezas, de questionar a viabilidade da minha linha, conclui que não podia deixar de dizer o que sou. Acredito que o fado na sua vertente tradicional está de óptima saúde e com excelentes representantes na nova geração. O meu percurso foi outro, e o que digo tem de ser coerente com o que sou. Quatro Caminhos é o espelho dessa verdade.
Porquê Quatro Caminhos?
É o reflexo do que penso sobre a vida e a minha abordagem sobre ela. Quis falar disso, da vida e de todas as suas possibilidades, várias perspectivas e caminhos possíveis. Nada é demasiado concreto ou fechado. A Amélia [Muge] escreveu um poema que é bem representativo da forma pouco objectiva e pragmática como vejo a vida. Por isso o nome do disco só poderia ser este, e o tema Quatro Caminhos abre o disco tendo o papel de prefácio.
A música "Não sou nascida do fado" tem letra de sua autoria. O que quis transmitir com estas palavras?
Canto com frequência em casas de fado e num dia, em particular, saí de uma delas (não quero mencionar o nome), completamente desiludida. Tenho alguma dificuldade em lidar com a forma fechada e obsessiva de pessoas que defendem o purismo desta forma de expressão. Depois desse episódio escrevi esta letra que me saiu em catadupa. Não nasci do fado, porque sou Ribatejana, de Montalvo, e na minha família não há fadistas. Cantei o meu primeiro fado aos 15 anos e é nessa altura que começo a frequentar as tertúlias. O amor foi crescendo e com ele o entendimento de tudo o que representava esta forma de estar, ser e sentir, maior do que simplesmente cantar.
Comemora 10 anos de carreira este ano, tem conseguido viver da música?
Comecei como cantora profissional no Casino do Estoril. Seguiram-se outros projectos na área da música onde fiz de tudo um pouco. O Casino da Figueira da Foz é a minha casa e onde conheci muitos dos músicos e cantores com quem aprendi e que me deu espaço e confiança para crescer como cantora, até hoje. Fui cantando por todo o mundo, tive projectos de música tradicional portuguesa, cantei jazz, fui vivendo e aprendendo.
Quais são as suas referências musicais?
Tudo o que ouvimos pode transmitir-nos e ensinar-nos qualquer coisa. Esta forma ecléctica de ver o trabalho dos outros fez de mim uma cantora de muitas cores. Claro que existem cantores que admiro mais que outros. Carlos do Carmo, Amália, Fernanda Maria, Maria Teresa de Noronha, Carlos Ramos, entre outros. Na actualidade admiro e aprendo muito com a Cristina Branco, o Camané e a Ana Moura.
Foi considerada a "diva de um fado diferente" pela crítica internacional. Como se sente sob esse título?
Prefiro pensar que alguém se deixou tocar pela minha forma de fazer música, compreendendo que o fado está lá sem passar despercebido. Temo não ter discernimento ao ler estas críticas. Pessoalmente sinto essa abertura por parte das pessoas que vão aos meus concertos. Existe curiosidade em perceber o que está para além do Fado. É bom saber que as pessoas gostam de me ouvir.
14 de março de 2010
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