Carlos do Carmo, hoje aplaudido em salas como a Alter Opera de Frankfurt ou Royal Albert Hall começou a cantar na casa de fados da sua mãe, O Faia, ao Bairro Alto. “Canoas do Tejo”, “Por morrer uma andorinha”, "Trem desmantelado", “Os putos”, “Aquela velhinha”, “Pontas soltas”, do seu mais recente álbum, “À noite”, são alguns êxitos que andam na boca de toda a gente.
Hardmusica: Até que ponto é que esteve envolvido na candidatura do fado à UNESCO?
CARLOS DO CARMO: Desde o principio e até ao pescoço.
Hardmusica: Como começou, que ideias teve, porque é que se motivou tanto?
CARLOS DO CARMO: Uma jornalista minha amiga telefonou-me a dizer que o Pedro Santana Lopes tinha afirmado à comunicação social que iria apresentar uma candidatura do fado à UNESCO, a património da humanidade, e perguntou-me se eu sabia de alguma coisa. Eu disse que não, e ela, então, disse-me que tinha sido nomeado embaixador da candidatura que ia ser apresentada. No dia seguinte confirmo que era assim nos jornais.
Então, a directora do Museu do Fado, Sara Pereira, reuniu o corpo consultivo do Museu e começámos a pensar no que deveríamos fazer, e fui nomeado porta-voz. Fizemos um trabalho que apresentámos na Câmara Municipal de Lisboa, e para nosso gáudio a proposta foi aprovada por unanimidade. Todos perceberam qual era o sentido. Então começou o trabalho e não mais parou.
Isto tem um grupo de intelectuais muito interessantes e muito conhecedoras, sob a liderança do professor Rui Vieira Nery, depois há uma coadjuvação de Salwa Castelo-Branco, Sara Pereira, Pedro Félix e um grupo de antropólogos, sociólogos, etnomusicólogos, historiadores e um grupo de jovens estudantes da Universidade Nova de Lisboa. Um trabalho muito interessante que não se esgota na candidatura.
Entretanto, Rui Vieira Nery publicou o livro “Para uma história do fado”, algo que não acontecia há 100 anos, e muitas coisas novas foram acontecendo, entre elas, de uma conversa com o meu amigo Ivan Dias, falámos com Carlos Saura e surgiu o filme “Fados”, que tem feito grande sucesso de Pequim a Nova Iorque.
A directora do Museu do Fado muda, entretanto, a fisionomia do dito e apresentou uma nova exposição, interessantíssima, muito visitada, frequentadíssima. Estamos portanto a falar de um museu que fala de uma canção e de uma cidade, que é Lisboa dotada desse encanto.
Em Janeiro fui a Paris de propósito para um “workshop” onde estava a nata da sociedade francesa e estavam também os principais directores da UNESCO. Fiz uma espécie de conferência cantada falando e cantando e as pessoas terminaram encantadas e despertas para a situação e dizendo-me, “mandem-nos com urgência isso. Muito interessante, que canção tão interessante”. Portanto agora vamos entrar na pior fase disto, que é a burocracia, com o Ministério da Cultura e com o dos Negócios Estrangeiros, à portuguesa. Vamos ver se haverá da parte dos ministérios bom senso de não empatar as coisas. Para não ficarem nas gavetas, de não se arrastar indefinidamente, porque a UNESCO está apenas à espera.
Hardmusica: Acha que o facto de existirem eleições este ano, poderá prejudicar em alguma coisa?
CARLOS DO CARMO: Não faço a mínima ideia. Quero dizer-lhe uma coisa, António Costa, falo-lhe concretamente da Câmara de Lisboa, que é onde estou envolvido, pois sou o mandatário de António Costa, disse num discurso que eu ouvi: “Seja Carmona Rodrigues seja Pedro Santana Lopes, seja eu próprio, todos estão interessados neste projecto, pois este é um projecto da cidade, do fado e que está para além dos partidos”.
Hardmusica: Referíamo-nos às eleições legislativas, não às autárquicas, uma vez que falou nos Ministérios da Cultura e dos Negócios Estrangeiros…
CARLOS DO CARMO: Não faço a mínima ideia. Tenho a esperança de que, independentemente, de quem seja o vencedor, o bom senso prevaleça. Pelo simples facto de que estamos a falar de uma canção que é indiscutivelmente portuguesa e que é indiscutivelmente reconhecida, e que por consequência, costumo afirmar isto e vou repetir, se isto for até às últimas consequências não há perdedores, só há vencedores. Portanto acredito que o bom senso vai prevalecer, qualquer que seja o resultado das eleições, uma vez que me está a falar das legislativas. Mas confesso que as que me interessam mais são da Câmara de Lisboa, da minha cidade porque isto é um projecto de Lisboa. Mas deixe-me dizer que penso que o presidente da Câmara irá às canelas de qualquer que seja o ministro da Cultura e dos Negócios Estrangeiros, porque isto é um projecto de Lisboa e vamos ter o apoio do presidente da autarquia, disso não tenha dúvidas.
Os dois potenciais vencedores são Pedro Santana Lopes que incentivou a candidatura, e incentivou muito bem; e António Costa que apoiou completamente sem hesitações. Logo com qualquer um deles a candidatura da canção da cidade está a coberto.
Naturalmente que eu como mandatário de António Costa, prefiro que seja ele a fazê-lo, mas isso é quem questão pessoal. Estou a assumir, pois normalmente as pessoas não assumem estas coisas, fica ali uma situação, meio ambígua, e tal. Falo do adversário político, não de antipatias pessoais ou questões pessoais. Não é o caso. Não tenho esses problemas com Pedro Santana Lopes. Depois o Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cultura, cá estaremos para a briga.
Hardmusica: Esta candidatura pressupõe mais benefícios para o fado?
CARLOS DO CARMO: Eu não gostaria de fazer futurulogia, gostaria de dizer que pressupõe mais responsabilidade. Normalmente a UNESCO não brinca em serviço e vou dizer muito claramente o que penso disto. O terreno, embora estejamos a falar de uma coisa que é imaterial e oral. O centro histórico de Guimarães, pelo qual tenho um grande fraquinho por ser o berço da Nação, a qualquer hora em qualquer dia que se passa por ali, está impecável, sempre limpo, sempre cuidado, sempre retocado, sempre, sempre, sempre!
É que a UNESCO se isso não acontecer, retira por e simplesmente o titulo que lhe foi atribuído. O que depois vier das regras que se estabeleçam, julgo, em relação ao fado, são para ser cumpridas e se forem cumpridas o fado será beneficiado disso. Não me pergunte é o que vai acontecer, porque eu não sei o que é que a UNESCO exige. Mas, se quer que seja franco, espero que seja bastante exigente. Desejo muito que seja exigente. Eu gosto tanto de fado e tenho tanto respeito pelo fado que tudo o que seja tirar a poeira e os preconceitos, naturalmente só me pode encher de alegria. Só gostava de poder assistir antes de morrer.
Carlos do Carmo está assim esperançoso no “sim” da UNESCO e no brilho que a classificação irá trazer. Sara Pereira afirmou à imprensa que para se apresentar a candidatura, falta apenas o Governo fazer sair a portaria que irá regulamentar estas propostas.
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