30 de agosto de 2009

Ceifeiros de Cuba : Alentejo

Entrevista com Michel Giacometti

“AS CANÇÕES TRADICIONAIS SOBREVIVEM NA MEMÓRIA DO POVO”
Entrevista com Michel Giacometti, efectuada em 1971

A entrevista que a seguir se transcreve com MICHEL GIACOMETTI foi conduzida por MÁRIO VIEIRA DE CARVALHO, e publicada no Diário de Lisboa, em 18 de Junho de 1971.Tinha como causa próxima a edição, nesse ano, de mais um disco da “Antologia da Música Regional Portuguesa” organizada por Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, disco que contém uma amostragem da prospecção realizada durante cerca de dois anos na Beira Alta, Beira Baixa e Beira Litoral.

“As canções tradicionais sobrevivem na memória colectiva do povo”

A recente publicação de mais um disco da “Antologia da Música Regional Portuguesa” organizada por Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, disco que contém uma amostragem da prospecção realizada durante cerca de dois anos na Beira Alta, Beira Baixa e Beira Litoral, é a causa próxima desta entrevista.
Quando tomamos contacto com as manifestações genuínas do folclore musical, com os ritmos trepidantes de certos “cantos de romaria”, como a “Senhora do Almurtão” (restituído ao seu ambiente ritual e coreográfico africano), com canções ou ritmos de trabalho como a “Bacelada” ou o “Bendito”, com o estilo selvático e pagão do “S. João” do Rosmaninhal, com a melopeia dolente da “Cantiga da Roda”, com a espontaneidade reivindicativa do “De quem é o Carvalhal?” (“o céu é de quem o ganha e a terra de quem a amanha”), com a “lengalenga” mista de canto e de fala do “Alvoio” ( para citar apenas exemplos colhidos ao acaso no disco das Beiras) quando descobrimos, portanto, a música autêntica do povo autêntico, começamos a fazer uma ideia da leviandade com que, entre nós, se costuma falar de folclore, folclorismo, música folclórica, música popular, música portuguesa.
No meio da confusão reinante na matéria, o depoimento de Michel Giacometti pode ser decisivo para uma tomada de consciência.

Quando é que começou a interessar-se pela investigação etnomusicológica em Portugal?

Em 1959, quando li, no Museu do Homem, uma obra póstuma do musicólogo norte-americano Kurt Schindler, que esteve no Nordeste de Trás-os-Montes em 1928 e registou algumas melodias tradicionais da região. Pretendi retomar esse trabalho e procedi a uma rápida investigação no mesmo local, tendo recolhido alguns documentos de valor que apresentei à Comissão de Etnomusicologia da Fundação Gulbenkian, composta pelos Profs. Artur Santos, Jorge Dias e Lopes-Graça. A votação foi-me favorável por dois votos contra um (o do primeiro), mas mesmo assim não consegui o patrocínio que me permitiria continuar a prospecção (na altura, tencionava limitar-me ao Nordeste transmontano). Em face da decisão negativa da Fundação,
Fernando Lopes-Graça demitiu-se da Comissão de Etnomusicologia, e foi então que lhe propus que trabalhássemos juntos, pelos nossos próprios meios. Voltámos a Trás-os-Montes, onde passámos mais três meses em condições muito difíceis. O material recolhido nesta prospecção e na anterior está na origem do primeiro disco da “Antologia da Música Regional Portuguesa”, publicado em 1960: Tínhamos decidido fazer a cobertura sistemática do país.

Para recolha dos documentos utilizaram, portanto, meios mecânicos de gravação e não a notação musical escrita.

A notação escrita não oferece as garantias do registo directo em fita magnética. Alguns aspectos estilísticos que caracterizam uma canção folclórica escapam à transcrição. Os camponeses não cantam as canções duas vezes da mesma maneira e não se subordinam a uma regra geométrica do ritmo. Quando muito, a notação limita-se a assinalar o recorte da melodia.

Anteriormente já tinha sido utilizado no nosso país o método do registo magnético de documentos folclóricos?

O primeiro a utilizá-lo em Portugal, com verdadeiro espírito de investigação etnomusicológica, foi o já citado Kurt Schindler. As gravações que realizou encontram-se depositadas na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Entretanto não tenho conhecimento de que algum organismo
português oficial ou privado, procurasse obter cópias. Eu próprio tentei fazê-lo e escrevi nesse sentido à Universidade norte-americana, mas infelizmente ainda não pude satisfazer as condições financeiras exigidas.
Depois de Kurt Schindler, é de assinalar a prospecção realizada em 1940 pela Emissora Nacional, que enviou uma brigada por todo o país durante cerca de quatro semanas, trabalhando sob a orientação de Armando Leça. Esta missão teria importado em muitas centenas de contos. Só que os documentos registados, conservados em caixas durante quase vinte anos, ao que parece sem nunca terem sido radiodifundidos ou por outra forma utilizados acabaram por deteriorar-se parcialmente. Das poucas dezenas que restam, apenas uma meia dúzia terá interesse musicológico.
Há que referir ainda os trabalhos de Artur Santos, este limitado aos Açores (S. Miguel, Santa Maria e Terceira) e publicado já depois dos primeiros volumes da nossa “Antologia”, de Virgílio Pereira e Ernesto Veiga de Oliveira, que beneficiaram duma bolsa da Gulbenkian, tendo realizado obra honesta e valiosa e finalmente do próprio Lopes-Graça, que fez uma primeira prospecção da Beira Baixa em 1953, utilizando meios de gravação rudimentares.

Devo concluir, no entanto, que antes da vossa “Antologia da Música Regional Portuguesa”, não foi dada a público qualquer outra edição fonográfica do folclore musical português...

A não ser discos de “ranchos folclóricos”, que não satisfazem obviamente a um critério etnomusicológico...

Devo concluir também, do que me disse atrás, que todo esse trabalho tem sido realizado à custa de recursos pessoais, sem subsídios de qualquer espécie.

De 1959 a 1965 trabalhámos isolados, sem receber subsídios. Em 1965, conseguimos um primeiro subsídio da Junta Distrital de Évora e depois outros de Beja e Portalegre. Subsídios modestos, mas que auxiliaram numa certa medida o trabalho de campo. A prospecção das Beiras foi subsidiada pelas diversas Juntas Distritais, por duas empresas privadas (o Laboratório JABA, de produtos farmacêuticos e a Sociedade BEGERAL, L.ª), pelo Rotary Club da Covilhã e pelo
Jornal do Fundão.

Quantos discos já publicou no âmbito da “Antologia da Música Regional Portuguesa?

Até 1965 publicámos os volumes relativos a Trás-os-Montes, Algarve e Minho. Em 1965 saiu o disco do Alentejo e, há poucos meses, o das três Beiras. Além destes, publicámos, em formato reduzido, um disco dedicado a um cantor popular de Trás-os-Montes, Chico Domingues outro de “Cantos Tradicionais do Distrito de Évora” e outro de “Bailes Populares Alentejanos”. Estamos já a trabalhar na edição de mais doze discos.

Os discos publicados não contêm, evidentemente, todo o material recolhido…

O conjunto dos discos perfaz cerca de 6 horas de música e nós recolhemos e guardamos cuidadosamente em arquivo tudo o que registamos, num total de cerca de duzentas horas. Se exceptuarmos a Hungria, estou convencido de que o nosso arquivo é o mais importante que existe, relativamente a um só país de características culturais individualizadas.

O disco pressupõe uma selecção entre a totalidade dos documentos registados. Mas na fase de recolha há desde logo uma primeira triagem. A que critérios obedecem uma e outra?

Em primeiro lugar, nunca vamos ao acaso. Iniciamos o nosso trabalho a partir de informações colhidas em obras existentes sobre a região, ou fornecidas por pessoas conhecidas, ou em último caso, obtidas no próprio local. Recorremos em especial às pessoas idosas. Não eliminamos “a priori” os jovens, sabemos, porém, que é a gente idosa, e sobretudo as mulheres, quem conserva a tradição. Quando chegamos a uma aldeia onde supomos valer a pena investigar começamos por reunir um pequeno grupo de mulheres e procedemos a um inquérito. Fazemos perguntas relacionadas com as características socioeconómicas da região. Perguntamos, por exemplo, se sabem cantigas acerca da “sacha do milho”, quando é o caso de estarmos numa zona onde o milho é cultivado, etc. É um problema de método e também um problema de sorte. Por vezes,
deparamos com canções de que nem suspeitávamos a existência. Depois de ouvirmos algumas dezenas de cantigas, registamos apenas aquelas que interessam a uma primeira selecção.

Nessa selecção está talvez implícito um duplo critério: o da autenticidade e o da qualidade estética do documento.

Há também um critério de estilo. Pode dar-se o caso de certos informadores saberem as canções, mas terem perdido o estilo local.
Quando assim acontece eliminamo-las.
Claro que se dispuséssemos de amplos meios, o ideal era registar tudo, bem ou mal cantado, com ou sem interesse. Porque aquilo que não tem interesse imediato, pode, daqui a 20 anos, revelar-se sob um prisma diferente, como objecto de estudos comparativos ou de fenómenos de “aculturação”.
Neste momento o nosso objectivo é pressionado pela urgência.
Trata-se de recolher, enquanto é tempo, o que nos parece mais indiscutivelmente importante.

E quanto à selecção do material que será depois publicado em disco?

Aí a selecção é muito mais rigorosa. Nessa fase é que intervém especificamente a colaboração de Lopes-Graça, que raras vezes pode ajudar-me no trabalho de campo. Forneço-lhe documentos registados com todas as informações possíveis sobre circunstâncias (etnográficas, socioeconómicas, psicológicas) em que foram obtidos.
Lopes-Graça procede à análise musical desses documentos, quer de um ponto de vista etnomusicológico, quer de um ponto de vista estético. Depois decidimos em conjunto quais os que devem constituir o disco.

Ao longo de doze anos de trabalho deve ter havido oportunidade de voltar a zonas que anteriormente já tinham visitado. Quando assim aconteceu, observaram alterações importantes no quadro etnomusicológico dessas zonas?

Voltei, várias vezes aos mesmos locais até por experiência. E raramente obtenho resultados semelhantes: os nossos informadores, que já são velhos, dois ou três anos depois morreram, ou emigraram, ou, pura e simplesmente, deixaram de cantar as cantigas tradicionais.
Em certas aldeias não havia rádios nem televisão: três anos depois, a divulgação de tais meios de comunicação de massa quase tinha apagado da memória das pessoas a recordação das coisas antigas.
Cito um exemplo concreto: o duma mulher que tinha gravado em más condições o romance de D. Mariana e que, quando voltei três anos depois, para recuperar o documento, não conseguia lembrar-se, acabando por mo cantar com a música duma canção ligeira então muito difundida na Europa (“Marina, Marina”). Tinha havido uma ruptura brutal. O mundo a que pertencia a antiga “D. Mariana” já fora destruído pelo impacto da rádio.

Aí está uma questão que me parece indispensável abordar: factores que reflectem negativamente na música folclórica genuína, isto é, que agem contra a subsistência do folclore.

São os meios de comunicação (a rádio e, agora a televisão), a emigração e evidentemente, as mutações socioeconómicas.

A respeito da emigração, porém, a sua opinião tem-se modificado...

Até à prospecção das Beiras eu pensava que a emigração era um factor essencial que provocava a deturpação da música regional e mesmo a sua extinção. Os cantores emigravam em quantidade;
mandavam dinheiro que podia ser aplicado na compra de telefonias e televisores; no regresso traziam novas modas que se sobrepunham às antigas, novas maneiras de pensar e de se comportar no meio social; as pessoas idosas sentiam-se inibidas de cantar coisas que já não
correspondiam ao ambiente criado à sua volta ...
Mas agora tenho repensado o problema. Porque embora as Beiras sejam zonas de grande emigração, o êxito da prospecção que realizámos parece demonstrar que ela aí não actuou decisivamente.
Constitui sem dúvida, um factor de desintegração da antiga sociedade, mas o que é certo é que as canções tradicionais conseguem sobreviver na memória colectiva do povo, ainda que, salvo algumas raras excepções, tenham deixado de ser utilizadas nas respectivas funções.

A esse respeito recordo-me de ter ouvido dizer a Lopes-Graça que já se têm dado fenómenos inexplicáveis de renascimento da música tradicional.

Sim. Muitas vezes as modas novas que aparecem são cantadas durante um certo tempo e depois o povo volta às coisas mais tradicionais. Mas é raro isso acontecer.

E compreende-se que seja raro. A alteração das condições de vida, das estruturas socioeconómicas a progressiva industrialização, tudo isso acabará por implicar, dentro de certo
prazo, a extinção do folclore, enquanto manifestação caracteristicamente rústica.

Certamente, mas ao mesmo tempo há-de criar-se um novo tipo de “folclore”.

Para já, penso que seria útil centrar a atenção numa questão prática, a saber: medidas a tomar para preservar o folclore e completar a prospecção em curso. E isto tendo em consideração quer a actual fase de desintegração mais ou menos caótica e anárquica, quer um futuro estádio de evolução histórica que permitisse pensar na planificação integral da educação, da cultura, do desenvolvimento sócio-económico, conduzindo ao fim da condição entre a cidade e o campo.

É muito difícil responder. Qualquer medida até poderia ser perigosa neste momento, dado que estamos numa situação de desequilíbrio social e de desintegração duma velha cultura. Para evitar que se agisse em sentido inverso do pretendido, seria indispensável um estudo
preliminar cuidadoso e profundo das condições em que o processo está a desenvolver-se (e está a desenvolver-se mais rapidamente do que parece à gente da cidade). De um ponto de vista prático, o que é preciso fazer é intensificar a prospecção e recolher o maior número possível de documentos, mesmo daqueles que aparentam menor interesse musicológico. Claro que não é de afastar a hipótese de os próprios meios de comunicação de massas promoverem a divulgação
do verdadeiro folclore. Uma divulgação inteligente do folclore musical poderia contribuir para que os deus depositários o fizessem reviver nas suas manifestações mais representativas e o defendessem da acção corrosiva da música comercial.

O que tem acontecido entre nós é precisamente o contrário. A Rádio e a Televisão o apresentam execráveis contrafacções do folclore ou propagam maciçamente a música ligeira comercial.
Em ambos os casos agem como factores de deterioração do gosto musical e da imaginação criadora do povo ...

A dificuldade está em fazer tomar consciência do valor do folclore autêntico, quando tudo funciona contra essa tomada de consciência.
A música urbana difundida através dos meios de comunicação significa para o povo algo que tem a ver com a promoção social a que ele aspira. E se tentarmos à viva força que se cantem coisas ligadas a um estádio anterior de evolução social o povo não vai aderir. O folclore não pode ser imposto.

Kodaly, com amplos meios postos à sua disposição pelo Estado, pôde edificar, em pouco menos de 20 anos, um sistema de educação musical que colocou a Hungria entre os países mais avançados nesse domínio. Uma das características do sistema é a prática em larga escala da música coral e nesta se compreendem sobretudo harmonizações ou arranjos de música popular (porque não se pode “macaquear” a espontaneidade do povo, cantando o documento tal como foi recolhido). Portanto, criadas novas condições socioculturais naquele país, foi-se para a solução de fomentar o canto coral baseado no autêntico folclore nacional. Concorda com esta via?

É talvez a solução possível numa sociedade avançada. Simplesmente não podemos julgá-la aplicável a Portugal. A situação histórica dos dois países é diferente. Na Hungria procedeu-se à recolha da música folclórica nos anos vinte, ou seja, numa altura em que ela permanecia viva, quando a industrialização ainda não tinha chegado ao país, nem muito menos os modernos meios de comunicação de massas, enfim, quando ainda não se exercia sobre ela o impacto dos subprodutos musicais da cidade.
E deu-se esta circunstância espantosa: no momento da industrialização operou-se uma modificação radical que permitiu o aproveitamento nos melhores termos do património artístico
tradicional. Houve uma ruptura na cultura musical do povo. Ora, o que se verifica entre nós é uma ruptura brusca e caótica dos antigos valores culturais, produzida pela influência nefasta dos detritos musicais difundidos através dos meios de comunicação. Portanto, a solução húngara é, pelo menos neste momento, intransponível para Portugal.

Tem estabelecido contactos com instituições estrangeiras que também se dediquem à investigação etnomusicológica?

Lopes-Graça e eu estabelecemos esses contactos deste o início da nossa actividade. Até então (1960) a música folclórica portuguesa era inteiramente desconhecida no estrangeiro. Não existia secção de música portuguesa em nenhum museu do mundo. No Museu do Homem, por exemplo, estava integrada na secção espanhola e era constituída por um único disco ... da Amália Rodrigues. O nosso trabalho, embora modesto, veio alterar este quadro. Das nossas edições temos enviado sempre exemplares para cerca de 50 institutos estrangeiros, com os quais, viemos a estabelecer estreitas relações. É frequente até que esses institutos manifestem a sua estranheza pelo facto de os Arquivos Sonoros Portugueses serem uma entidade tão pobre e tão desprovida de ajuda. A partir de 1967 passámos a contar com o apoio do Conselho Internacional da Música e do Instituto Internacional de Etnomusicologia Comparada de Berlim-Veneza
dirigido por Alain Daniélou. Vão atribuir-nos uma subvenção e convidaram-nos a participar nas primeiras edições da colectânea de música tradicional europeia.

Está a dizer-me isso e eu a pensar na atitude que a Fundação Gulbenkian tomou para consigo em 1959... A propósito, teve conhecimento do colóquio, sobre música oriental, ali recentemente realizado com a participação de alguns elementos do I.I.E.C.?

Soubemos da realização desse colóquio, com grande antecedência, através do Director do Instituto, com quem mantemos regularmente correspondência. Mas a Fundação Gulbenkian, embora ao corrente dos nossos contactos através do próprio Daniélou (que já mais de uma vez recomendou o nosso trabalho), não nos convidou para esse colóquio, nem a mim nem ao Lopes-Graça. Aliás tivemos oportunidade de trocar impressões com o Sr. Daniélou, durante a sua
estadia em Lisboa. Mas se fosse a contar todos os incidentes desagradáveis que têm resultado para o nosso trabalho das atitudes tomadas pelo Serviço de Música da Fundação Gulbenkian, ainda teríamos muito que falar e falaremos quando julgarmos ter chegado o momento oportuno.

24 de agosto de 2009

Sara Tavares : Ponto de Luz [Xinti, 2009]

Escutando no vento
Tua voz secreta
Que me sopra por dentro
Deixe-me ser só ser

No teu colo eu me entrego
Para que me nutras
E me envolvas
Deixa-me ser só ser

Um ponto de luz
Que me seduz
Aceso na alma

Um ponto de luz
Que me conduz
Aceso na alma

Por trás dessa nuvem
Ardendo no céu
O fogo do sol rai
Eternamente quente
Liberta-me a mente
Liberta-me a mente

Um ponto de luz
Que me seduz
Aceso na alma

Um ponto de luz
Que me seduz
Aceso na alma

Colectâneas com duas gerações de fadistas

Dois duplos CD - álbum dourado e álbum prateado - pretendem divulgar "a primeira geração de fadistas que gravou, e a que se lhe seguiu", reunindo 28 intérpretes que cantam 55 temas, disse Miguel Cruz, da editora.

Amália Rodrigues e outros 14 nomes integram "O álbum dourado do fado", um duplo CD que inclui êxitos como "Eterna amizade", por Frutuoso França, ou "Casa da Mariquinhas", de Alfredo Marceneiro.

Com a etiqueta da Companhia Nacional de Música (CNM), a este duplo CD sucede-se "O álbum prateado do fado" que integra "a geração seguinte", estando os dois álbuns esta semana no mercado.

Desta "geração seguinte" fazem parte 13 nomes, entre eles, Maria da Fé, a completar 50 anos de carreira, Teresa Siqueira ou Rodrigo, com "Cais do Sodré".

Segundo Miguel Cruz, nesta geração encontram-se "caminhos diferentes" que cada artista tomou, desde a opção pelo "mais tradicional", casos de Manuel de Almeida, Argentina Santos e Fernando Maurício, a outros com "uma notória paixão pela erudição", como João Braga e José Manuel Barreto. "Nestes fadistas, nota-se a clara influência de Amália que, logo numa das suas primeiras gravações, cantou um poema de Guerra Junqueiro, numa música tradicional de fado", sublinhou Miguel Cruz.

Nesta geração, distingue-se ainda "o fascínio pelo estilo Maria Teresa de Noronha" (fadista incluída no álbum dourado), em artistas como Teresa Siqueira e Maria Leopoldina da Guia.

Cidália Moreira, Rodrigo e Maria Armanda "representam a opção pelo fado-canção", nas palavras de Cruz, enquanto Manuel Cardoso de Menezes se insere "numa tradição fadista desprendida e apaixonada".

Carlos Zel integra esta geração e é o único que interpreta apenas um tema, "Rapsódia", uma maneira de o editor assinalar "a forma única de conciliar a força natural da voz, com a subtileza e sensibilidade da interpretação".

"O álbum dourado" reúne "temas emblemáticos" de fadistas que constituíram de uma "geração de ouro" que integra Amália, Alfredo Marceneiro, Maria Teresa de Noronha, Carlos Ramos, Lucília do Carmo, Vicente Câmara e Hermínia Silva.

Esta "geração de ouro" integra ainda, segundo a CNM, Max, Fernando Farinha, Berta Cardoso, Frutuoso França, Fernanda Peres, Alfredo Duarte Júnior e Celeste Rodrigues.

fonte ~ jn

22 de agosto de 2009

Novos lançamentos assinalam a "rentrée" discográfica

A rentrée discográfica aproxima-se e o mercado começa já a agitar-se, preparando e agendando novos lançamentos.

Editoras independentes e edições em nome próprio são as que mais arriscam neste sector.

O novo trabalho de Ana Laíns, "Vida" e algumas colectâneas sobre as divas do Fado são a grande aposta da Difference para esta "rentrée".

A Movieplay aposta também nas colectâneas recuperando repertório antigo com a compilação " Os fados da Alvorada".

A comemoração dos dez anos passados sobre a morte de Amália Rodrigues são o pretexto da Valentim de Carvalho para se afirmar também no mercado discográfico, com o lançamento de uma versão totalmente remasterizada do álbum "Com que voz".

A iPlay tem agendado para Outubro o lançamento do álbum "Fados de Amor e Pecado", de João Gil para a voz de Ana Sofia Varela.

"Pássaro Cego", de Manuel Paulo, com a cantora cabo-verdiana Nancy Vieira será editado no mês seguinte. Ambos têm a assinatura de João Monge nas composições.

Pela Farol, sairá o novo trabalho de Jorge Fernando, "Fados de Amor e Raiva", com participações de Ana Moura, o rapper Sam the Kid e o cantor italiano Lucio Dalla.

Susana Félix, Viviane, Mafalda Arnauth e Luanda Cozetti juntam-se na "Rua da Saudade", um disco de homenagem a José Carlos Ary dos Santos, também com a chancela da Farol.

Carlos do Carmo : Um Homem na Cidade [Fado Maestro, 2008]

Agarro a madrugada
como se fosse uma criança,
uma roseira entrelaçada,
uma videira de esperança.
Tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem, por força da vontade,
de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua
que no meu Tejo acendo cedo,
vou por Lisboa, maré nua
que desagua no Rossio.
Eu sou o homem da cidade
que manhã cedo acorda e canta,
e, por amar a liberdade,
com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresce na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota
tudo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
um malmequer azul na cor,
o malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém,
o malmequer desta cidade
que me quer bem, que me quer bem.
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também,
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem,
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis, que me quer bem.

José Luís Tinoco / Ary dos Santos

Carlos do Carmo: "Tudo o que seja tirar a poeira e os preconceitos, só me pode encher de alegria"

Carlos do Carmo, hoje aplaudido em salas como a Alter Opera de Frankfurt ou Royal Albert Hall começou a cantar na casa de fados da sua mãe, O Faia, ao Bairro Alto. “Canoas do Tejo”, “Por morrer uma andorinha”, "Trem desmantelado", “Os putos”, “Aquela velhinha”, “Pontas soltas”, do seu mais recente álbum, “À noite”, são alguns êxitos que andam na boca de toda a gente.

Hardmusica: Até que ponto é que esteve envolvido na candidatura do fado à UNESCO?

CARLOS DO CARMO: Desde o principio e até ao pescoço.

Hardmusica: Como começou, que ideias teve, porque é que se motivou tanto?

CARLOS DO CARMO: Uma jornalista minha amiga telefonou-me a dizer que o Pedro Santana Lopes tinha afirmado à comunicação social que iria apresentar uma candidatura do fado à UNESCO, a património da humanidade, e perguntou-me se eu sabia de alguma coisa. Eu disse que não, e ela, então, disse-me que tinha sido nomeado embaixador da candidatura que ia ser apresentada. No dia seguinte confirmo que era assim nos jornais.

Então, a directora do Museu do Fado, Sara Pereira, reuniu o corpo consultivo do Museu e começámos a pensar no que deveríamos fazer, e fui nomeado porta-voz. Fizemos um trabalho que apresentámos na Câmara Municipal de Lisboa, e para nosso gáudio a proposta foi aprovada por unanimidade. Todos perceberam qual era o sentido. Então começou o trabalho e não mais parou.

Isto tem um grupo de intelectuais muito interessantes e muito conhecedoras, sob a liderança do professor Rui Vieira Nery, depois há uma coadjuvação de Salwa Castelo-Branco, Sara Pereira, Pedro Félix e um grupo de antropólogos, sociólogos, etnomusicólogos, historiadores e um grupo de jovens estudantes da Universidade Nova de Lisboa. Um trabalho muito interessante que não se esgota na candidatura.

Entretanto, Rui Vieira Nery publicou o livro “Para uma história do fado”, algo que não acontecia há 100 anos, e muitas coisas novas foram acontecendo, entre elas, de uma conversa com o meu amigo Ivan Dias, falámos com Carlos Saura e surgiu o filme “Fados”, que tem feito grande sucesso de Pequim a Nova Iorque.

A directora do Museu do Fado muda, entretanto, a fisionomia do dito e apresentou uma nova exposição, interessantíssima, muito visitada, frequentadíssima. Estamos portanto a falar de um museu que fala de uma canção e de uma cidade, que é Lisboa dotada desse encanto.

Em Janeiro fui a Paris de propósito para um “workshop” onde estava a nata da sociedade francesa e estavam também os principais directores da UNESCO. Fiz uma espécie de conferência cantada falando e cantando e as pessoas terminaram encantadas e despertas para a situação e dizendo-me, “mandem-nos com urgência isso. Muito interessante, que canção tão interessante”. Portanto agora vamos entrar na pior fase disto, que é a burocracia, com o Ministério da Cultura e com o dos Negócios Estrangeiros, à portuguesa. Vamos ver se haverá da parte dos ministérios bom senso de não empatar as coisas. Para não ficarem nas gavetas, de não se arrastar indefinidamente, porque a UNESCO está apenas à espera.

Hardmusica: Acha que o facto de existirem eleições este ano, poderá prejudicar em alguma coisa?

CARLOS DO CARMO: Não faço a mínima ideia. Quero dizer-lhe uma coisa, António Costa, falo-lhe concretamente da Câmara de Lisboa, que é onde estou envolvido, pois sou o mandatário de António Costa, disse num discurso que eu ouvi: “Seja Carmona Rodrigues seja Pedro Santana Lopes, seja eu próprio, todos estão interessados neste projecto, pois este é um projecto da cidade, do fado e que está para além dos partidos”.

Hardmusica: Referíamo-nos às eleições legislativas, não às autárquicas, uma vez que falou nos Ministérios da Cultura e dos Negócios Estrangeiros…

CARLOS DO CARMO: Não faço a mínima ideia. Tenho a esperança de que, independentemente, de quem seja o vencedor, o bom senso prevaleça. Pelo simples facto de que estamos a falar de uma canção que é indiscutivelmente portuguesa e que é indiscutivelmente reconhecida, e que por consequência, costumo afirmar isto e vou repetir, se isto for até às últimas consequências não há perdedores, só há vencedores. Portanto acredito que o bom senso vai prevalecer, qualquer que seja o resultado das eleições, uma vez que me está a falar das legislativas. Mas confesso que as que me interessam mais são da Câmara de Lisboa, da minha cidade porque isto é um projecto de Lisboa. Mas deixe-me dizer que penso que o presidente da Câmara irá às canelas de qualquer que seja o ministro da Cultura e dos Negócios Estrangeiros, porque isto é um projecto de Lisboa e vamos ter o apoio do presidente da autarquia, disso não tenha dúvidas.

Os dois potenciais vencedores são Pedro Santana Lopes que incentivou a candidatura, e incentivou muito bem; e António Costa que apoiou completamente sem hesitações. Logo com qualquer um deles a candidatura da canção da cidade está a coberto.

Naturalmente que eu como mandatário de António Costa, prefiro que seja ele a fazê-lo, mas isso é quem questão pessoal. Estou a assumir, pois normalmente as pessoas não assumem estas coisas, fica ali uma situação, meio ambígua, e tal. Falo do adversário político, não de antipatias pessoais ou questões pessoais. Não é o caso. Não tenho esses problemas com Pedro Santana Lopes. Depois o Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cultura, cá estaremos para a briga.

Hardmusica: Esta candidatura pressupõe mais benefícios para o fado?

CARLOS DO CARMO: Eu não gostaria de fazer futurulogia, gostaria de dizer que pressupõe mais responsabilidade. Normalmente a UNESCO não brinca em serviço e vou dizer muito claramente o que penso disto. O terreno, embora estejamos a falar de uma coisa que é imaterial e oral. O centro histórico de Guimarães, pelo qual tenho um grande fraquinho por ser o berço da Nação, a qualquer hora em qualquer dia que se passa por ali, está impecável, sempre limpo, sempre cuidado, sempre retocado, sempre, sempre, sempre!

É que a UNESCO se isso não acontecer, retira por e simplesmente o titulo que lhe foi atribuído. O que depois vier das regras que se estabeleçam, julgo, em relação ao fado, são para ser cumpridas e se forem cumpridas o fado será beneficiado disso. Não me pergunte é o que vai acontecer, porque eu não sei o que é que a UNESCO exige. Mas, se quer que seja franco, espero que seja bastante exigente. Desejo muito que seja exigente. Eu gosto tanto de fado e tenho tanto respeito pelo fado que tudo o que seja tirar a poeira e os preconceitos, naturalmente só me pode encher de alegria. Só gostava de poder assistir antes de morrer.

Carlos do Carmo está assim esperançoso no “sim” da UNESCO e no brilho que a classificação irá trazer. Sara Pereira afirmou à imprensa que para se apresentar a candidatura, falta apenas o Governo fazer sair a portaria que irá regulamentar estas propostas.
fonte ~ hardmúsica

Ana Laíns : Pouco tempo [Sentidos, 2006]

É pouco o meu tempo
Para guardar, tudo o que trago
Em pensamento
Para escrever, tudo o que sinto
Cada momento
É pouco o meu tempo
Para eternizar, tudo o que corre
Veloz, no vento
Mostrando assim, bem mais profundo
Meu sentimento
É pouco o meu tempo
Para sentir, quanta beleza
Me passa ao lado
Sem alterar, este meu ar
Preocupado
É pouco o meu tempo
Para conseguir ter o que quero
Da minha vida
No que passou
Alguma ilusão perdida
Mas no que resta
A esperança ainda vivida.

Lídia Oliveira / Diogo Clemente

Ana Laíns vai gravar "Amazing grace" com Boy George

Ana Laíns irá gravar o tema "Amazing grace" com Boy George, canção que integrará o próximo álbum do cantor pop britânico, disse à Lusa fonte da discográfica da fadista, que em Outubro publicará o seu segundo disco.

O convite partiu do Boy George que se encantou com a voz da Ana Laíns. Trata-se de um tema pop dançante", disse à Lusa Samuel Lopes da Difference, discográfica pela qual sairá o próximo álbum de Laíns.

A mesma fonte não adiantou quando a cantora irá gravar, mas garantiu que "já está tudo acertado".

"O fundador dos Culture Club e a voz de êxitos como 'Do you really want to hurt me?' e 'Karma chameleon', e que se tem aventurado com sucesso numa carreira a solo e de DJ, procura fundir a tradição portuguesa com a pop britânica. Agora é esperar pelo resultado final, mas estamos confiantes", disse Samuel Lopes.

O álbum de estreia de Ana Laíns, "Sentidos", recebeu vários elogios da crítica internacional, nomeadamente da revista Songlines, que salientou o "exercício" da cantora no domínio da "canção contemporânea" e descreveu o disco como "absolutamente contemporâneo, sem dúvida um grande e promissor começo". Para esta revista britânica, "Sentidos" é um sinal da "pujança da cena musical portuguesa".

Quanto ao próximo álbum de Ana Laíns, intitulado "Vida", a cantora estreia-se como letrista com o tema "Não sou nascida do Fado".

O CD é produzido por Diogo Clemente, que também produziu o anterior, assinando ainda os arranjos, além de acompanhar a intérprete à viola de fado, percorrendo a intérprete temas de fado e da música tradicional portuguesa.

No álbum, Ana Laíns é ainda acompanhada por Marino de Freitas (Prémio Amália Rodrigues 2007) e Nando Araújo no baixo, Bernardo Couto e Ângelo Freire na guitarra portuguesa, Ruben Alves, Paulo Loureiro e Filipe Raposo no piano, Pedro Santos no acordeão e Vicky na percussão.

As músicas de "Vida" são maioritariamente originais e têm as assinaturas de Diogo Clemente, Amélia Muge, Miguel Rebelo, Filipe Raposo, José Manuel David e Samuel Lopes, entre outros.
fonte ~ DN

19 de agosto de 2009

José Afonso : Menino do Bairro Negro [Baladas de Coimbra, 1963]

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Virá também

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

José Afonso

14 de agosto de 2009

Dulce Pontes : Mãe Preta [Caminhos, 1996]

Pele encarquilhada carapinha branca
Gandôla de renda caindo na anca
Embalando o berço do filho do sinhô
Que há pouco tempo a sinhá ganhou

Era assim que mãe preta fazia
criava todo o branco com muita alegria
Porém lá na sanzala o seu pretinho apanhava
Mãe preta mais uma lágrima enxugava

Mãe preta, mãe preta

Enquanto a chibata batia no seu amor
Mãe preta embalava o filho branco do sinhô

Caco Velho / Piratini

Recuperados para digital 12 temas de Maria da Conceição, "criadora" de "Mãe preta"

A Fundação Manuel Simões, através da Estoril Discos, edita pela primeira vez em CD um conjunto de fados interpretados por Maria da Conceição, considerada a criadora em Portugal do tema "Mãe preta".

"Mãe preta", de Caco Velho e Piratini, tornar-se-ia mundialmente célebre pela voz de Amália com um poema novo de David Mourão-Ferreira, "Barco negro".

"Este não foi aliás o único êxito de Maria da Conceição que a grande Amália recriou e tornou seu pelo mundo inteiro. Também a célebre `Casa portuguesa` é uma criação sua", recordou à Lusa a fadista Julieta Estrela, membro do conselho consultivo do Museu do Fado.
fonte ~ lusa

13 de agosto de 2009

Augusto Canário : Vira de Nª Srª da Agonia

Espólio do fado comprado por 910 mil euros pelo Estado e Câmara de Lisboa

O espólio do fado, como ficou conhecida a colecção de cerca de oito mil registos fonográficos do britânico Bruce Bastin, ficou mais barato ao Estado e à Câmara de Lisboa: o acordo final permitiu a compra dos discos de 78 rotações por 910 mil euros, menos cem mil do que os 1,1 milhões de euros contratualizados em 2007 pela então ministra da Cultura Isabel Pires de Lima. E um novo arquivo sonoro irá unir o Ministério da Cultura e a EGEAC em parceria.

Cinco ministros da Cultura e cerca de oito anos depois de ter vindo a público a existência deste espólio, a transacção da última tranche da colecção conclui-se no dia 21, com a celebração final do acordo entre o coleccionador, o Ministério da Cultura e a EGEAC/Câmara de Lisboa. Nessa altura, de acordo com Lucinda Lopes, vogal da administração da EGEAC, serão entregues os três mil registos em falta (que incluem discos portugueses adquiridos por Bastin no Brasil), tendo os primeiros cinco mil discos de 78 rotações sido entregues ao Museu do Fado no final de Janeiro de 2008.

Mas em Maio de 2008, a comissão designada pelo Estado para avaliar o acervo considerou que este tinha sido sobreavaliado, o que levou a uma renegociação. Em Dezembro, o ministro da Cultura ainda tinha dúvidas sobre “a quantidade e a qualidade” do acervo - se seriam apenas discos ou também gravações secundárias, sem os originais.

Agora, Manuel Bairrão Oleiro, director do Instituto de Museus e Conservação (ao qual a colecção ficará afecta), explicou ao PÚBLICO que os registos que agora chegarão “ficarão no Museu do Fado para inventariação e catalogação”, cabendo à tutela e à EGEAC decidir o seu destino final. Lucinda Lopes revelou ao PÚBLICO que a EGEAC e o Ministério da Cultura vão constituir um Arquivo Sonoro - que o Governo chegou a indicar como destino para o espólio do fado - para receber registos de privados e de organismos públicos. O musicólogo Rui Vieira Nery sublinha que o Estado deve ser o gestor e o garante inequívoco da “preservação de um património imaterial da cultura portuguesa”, assumindo “essa responsabilidade no essencial”,

O coleccionador chegou a pedir 1,249 milhões pelo acervo, que inclui registos até então desconhecidos ou dados como perdidos que remontam a 1904. Vieira Nery, que analisou a listagem deste “fundo muito importante” que urge “reintegrar no património português”, congratulou-se por saber que o acordo está ultimado. Quanto ao preço, “quanto mais vantajoso para o Estado português, melhor para todos nós”, disse. Os custos serão divididos pela autarquia e pela tutela - há ainda um mecenas não identificado.
O disco mais antigo da colecção de Bruce Bastin remonta a 1904, embora se teorize que as primeiras gravações de fado em Portugal remontam a 1900. A valiosa colecção de fado de Bastin nasce entre as décadas de 1970 e 80, quando o coleccionador se interessa por este género musical português e, depois, quando um investigador seu amigo visitou os arquivos da Valentim de Carvalho. Daí começa a procura de mais de mais discos. Do Porto ao Brasil, reuniu um acervo hoje considerado essencial para melhor perceber a história da gravação género musical através de registos da Grammophone, da HMV, Columbia, Homokord e Victor – a meio das negociações com Bastin foi revelado que a então Casa do Fado (actual Museu do Fado) possuía apenas 50 discos no seu arquivo.

Entra em cena o musicólogo e editor José Moças, que conheceu Bastin (que possui milhares de registos de vários géneros musicais, dos blues ao ragtime) em 1992 em Londres e encetou as negociações para que os registos fonográficos de fado que possui ficassem em Portugal. Em 2002 vem a público a existência da colecção e os sucessivos governos portugueses foram negociando a sua vinda para Portugal.
Da colecção fazem parte títulos como "Fado Robles" (1904), de Luís Petroline, "Fado do Porto" (1904) de Manassés de Lacerda ou "Fado Rey Colaço" (1908) de Tomaz Ribeiro, entre muitos outros nomes populares mas cujos registos fonográficos não se sabia sequer se existiam. Até ao surgimento da colecção Bastin. J.A.C.

fonte ~ público

11 de agosto de 2009

Toques do Caramulo : Olha para a água

Olha para a água
Ri-te para mim
Põe o pé na areia
Faz assim, assim

Meu amor não anda
Nada satisfeito
Põe o pé na areia
Faz assim a eito

Candidatura do Fado apresentada à UNESCO em 2010

A candidatura do fado à convenção da UNESCO para a salvaguarda do Património Cultural Imaterial "deverá ser apresentada durante o primeiro semestre de 2010".

A afirmação foi apresentada hoje à Lusa pela gestora do Museu do Fado, Dr.ª Sara Pereira.

"Desde 2005 que estamos a trabalhar na preparação da candidatura, aguardando agora a publicação pelo Governo da portaria que regulamenta a apresentação e formalização do processo.

Saída esta portaria apresentaremos a candidatura à UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)", explicou.

Em declarações à Lusa, a gestora do Museu do Fado afirmou que a partir de Outubro inicia-se um plano editorial que inclui a reedição "de algumas das fontes fundamentais para a história do fado".
fonte ~ Lusa

Primeiro álbum de Amália reeditado em vinil e CD

O primeiro álbum de Amália Rodrigues, editado nos Estados Unidos em 1954, será reeditado em vinil, numa edição limitada de 500 exemplares, pela Companhia Nacional de Música (CNM).

O LP, gravado em 78 rotações, intitula-se "Amália Rodrigues sings fado from Portugal and flamenco from Spain", e é composto por quatro faixas cantadas em português e outras tantas em espanhol.

Nuno Rodrigues da CNM afirmou à Lusa que "a edição deste primeiro LP confirma em definitivo o estatuto de Amália, colocando-a ao nível das maiores vedetas internacionais da época".

fonte ~ rtp

3 de agosto de 2009

Encontros da Eira : Baile da Meia Volta [Meia Volta, 2008]

Documentário "Raízes de um Povo", de Eduardo Costa.

Fado Nosso

Após nove anos sem gravar, João Braga regressou aos discos com "Fado nosso", em que canta Manuel Alegre e um "não-fado" - um poema de David Mourão Ferreira- e faz "uma síntese" de "Babel e Sião" de Camões. Em declarações à Lusa, o fadista afirmou que esta oportunidade de gravar lhe permite "prestar homenagem a um dos grandes vultos do fado, Alfredo Marceneiro, que nos últimos tempos tem sido muito maltratado", e também a João Ferro Velho de quem canta "Não terás salvação".
O fadista conheceu João Ferro Velho nas tertúlias de Cascais, onde "cantava este fado como se fosse a última coisa que fazia, tal era o sentimento, mas nunca o gravou". "Quando o João cantava, lembro-me, aí por volta de 1963, tinha eu 18 anos, quem o ouvia, ficava tão compenetrado e em silêncio que parecia que se assistia a uma missa", recordou. O poema de "Não terás a salvação" é de João de Freitas que glosa uma quadra de Henrique Silva, com música de Georgino de Sousa. "É um fado que gosto muito, pois é na linha mais tradicional, é puro e duro, como dizemos, mas tem um toque de picardia", acrescentou.
"O último faia" é o fado de homenagem a Marceneiro da autoria de António Tavares-Teles, que João Braga canta na melodia do fado Versículo de autoria de Alfredo Marceneiro. "Para mim resolvo a situação. Não tenho dúvidas que a paternidade do fado é de Alfredo Marceneiro, e é um fado em tom menor, como tantos outros, mas não é o fado menor. Eu provo isso nesta interpretação", declarou.
João Braga referia-se à polémica levantada há dois anos quando Carlos do Carmo com "Fado da Saudade" (letra de Fernando Pinto do Amaral) recebeu o Prémio Goya para a Melhor Canção Original, e que o interpreta no fado menor em versículo. "O Fado Versículo é do Marceneiro e acabou-se a conversa", afirmou peremptório João Braga que conviveu com o criador de "Bêbedo pintor".
"O Fernando [Tavares-Teles] intitulou-o 'O mestre' mas eu pedi-lhe para lhe chamar 'O último faia' que é para mim o que foi o Marceneiro. Era um refilão de primeira, mas não o ignorante que muitos tristemente quiseram fazer passar quando houve essa polémica", argumentou Braga. O fado faz referência aos vários fados que celebrizaram Alfredo Marceneiro e à sua obra de marcenaria "A casa da Mariquinhas", actualmente exposta no Museu do Fado, em Lisboa.
"Babel e Sião", que João Braga musicou, é para o fadista "o essencial da ideia de Camões". É o poema que o "deslumbra" e que relê, por o "considerar o que há de melhor na lírica camoniana".
"Elegia do ciúme", de David Mourão-Ferreira, é o "único não-fado do CD, é um balada feita pelo Nuno Rodrigues, e em que nem entram as guitarras portuguesas", explicou Braga.
Manuel Alegre "amigo de longa data" de João Braga assina dois poemas e recita uma parte de "Soneto da separação" de Vinicius de Moraes e a quem se deve o título do álbum. "Depois de pensar em 'fado inteiro e reunido', tirei o 'reunido'. Ficava pomposo. Também não gostei e mudei para 'fado meu' mas lembrou-me logo uma coisa brasileira, 'sonho meu'. Foi então que o Manel [Alegre] descobriu este 'fado nosso'", esclareceu. "Fado nosso", também pelas ideias que partilham sobre o fado, reconheceu fadista que abre o CD com um poema Alegre, em que se reivindica a matriz portuguesa do fado.
Em "A origem do fado", com música de José Fontes Rocha e João Braga, defende-se que "a origem do fado pouco importa" e segundo o fadista "a sua matriz é portuguesa, senão outros já o tinham reivindicado".
Braga interpreta ainda poemas de João Linhares Barbosa, o seu poeta popular preferido, e dois poemas de Vinicius de Moraes.
O fadista destacou a participação "afinada" de Cuca Roseta em "Apelo" e a forma como os instrumentos foram "brilhantemente captados, com uma nitidez única" por Rui Guerreiro.
João Braga é acompanhado por José Luís Nobre Costa e Pedro Castro (guitarra portuguesa), Jaime Santos Jr. (viola), e Joel Pina (viola-baixo).
fonte ~ hardmúsica