30 de julho de 2009

José Afonso : Vampiros [Dr. José Afonso em Baladas de Coimbra, 1963]

No céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asas
Pela noite calada
Vem em bandos
Com pés veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada

Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
A toda a parte
Chegam os vampiros
Poisam nos prédios
Poisam nas calçadas
Trazem no ventre
Despojos antigos
Mas nada os prende
Às vidas acabadas

São os mordomos
Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
No chão do medo
Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas dum credo
E não se esgota
O sangue da manada

Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

Zeca Afonso: Sou um homem comum?

Estava frio. Por isso, naquela esplanada de Setúbal onde nos encontrávamos, havia pouca gente. "Sou incapaz de funcionar sem engolir um café" - disse-nos José Afonso, com as mãos nos bolsos da gabardina, um ar sonolento. Alguns minutos depois, a promessa cumpria-se. Já desperto, retemperado pela bebida e, afinal, pelo sol que começava a aquecer, José Afonso respondia, abertamente, a todas as nossas perguntas.

- Não tenho um padrão crítico seguro de um especialista em música que me diga se aquilo que faço é uma droga ou uma coisa de relativa qualidade - assim procurou ele situar o valor da sua obra, "o valor daquilo para que fui arrastado".
E que razões o levaram a escolher o caminho pelo qual enveredou?
- Para explicar isso, é necessário regressar aos tempos de estudante, em Coimbra. Eu cantava, então, fados e, algumas vezes, toadas vagamente populares da região.
Com o tempo, José Afonso apercebeu-se de um certo anquilosamento formal do fado de Coimbra, tanto quanto ao aspecto temático como quanto à parte musical:
- Quando se cantava o fado de Coimbra, construía-se um determinado "décor", um estudante de capa e batina, os dois acompanhantes... As serenatas convencionais, com todo este cenário, começaram a parecer-me um pouco artificiais - precisa. E prossegue: "Se o cenário era artificial, o que eu cantava também o era. Pensei, pois, que essas canções tinham de se alargar, de se movimentar mais."
Sobretudo, teriam de se radicar, pensou o cantor, em coisas mais profundas do que um simples "folcore de casta". Embora haja quem pense que só os estudantes cantam o fado de Coimbra, isso não corresponde à verdade: com o tempo, aquele género musical passou a ser cantado também pelas pessoas que vivem na órbita dos estudantes.
- De qualquer maneira, surgiu em mim uma espécie de insatisfação em relação a essas formas tradicionais, a qual coincidiu, aliás, com uma certa evolução mental.
Ao historiarem a vida associativa na sua Universidade, os actuais estudantes de Coimbra costumam referir-se a uma "primeira fase folclórico-fadista". Terá o fado coimbrão permanecido nessa fase da vida associativa, resultando daí o referido anquilosamento temático e formal?

Duas forças

José Afonso crê que a asserção não é exacta porque, segundo afirma, a atitude conservadora, que se expressa num determinado folclore, musical e poético, nem sempre coexistiu pacificamente, em Coimbra, com uma atitude "progressista". Essas duas forças ("uma convencional, com a sensibilidade à flor da pele, que se exprimia em formas anquilosadas, e outra mais agressiva e ambiciosa, que procurava colocar os esquemas da vida associativa a par das ideias de certos meios do exterior") - essas duas forças sempre se digladiaram.
José Afonso pensa que os actuais intérpretes do fado de Coimbra se limitam a apresentar composições do tempo de Paradela de Oliveira ou mesmo dos cantores clássicos. No entanto, não reivindica, para si, um lugar de inovador. Afirma que já existia uma série de estímulos anteriores, que excediam o âmbito do folclore de casta. E recorda Edmundo Bettencourt, hoje esquecido, que foi um cantor muito importante em Coimbra, um elemento vivificador. Como sublinha o autor de "Os Vampiros", Bettencourt introduziu temas de canções populares beirãs e açorianas no repertório coimbrão. O próprio José Afonso sentiu a sua influência, que se reflecte na "Canção da Saudadinha" e nas canções da Beira Baixa, por exemplo, e lembra também Rogério Boavida como um dos cantores que procuram ultrapassar o âmbito restrito do fado de Coimbra. Conhecedor dos interesses criados em públicos que não integram, apenas, as massas estudantis tradicionais, José Afonso foi alterando e renovando os antigos temas musicais. Infringiu, em suma, certas formas ingénuas de fazer música.
- Hoje estou num beco sem saída, não sei para que lado me hei-de virar, porque sou um ignorante em matéria de técnica musical, e a partir de um determinado grau de responsabilidade já é necessário não fazer as coisas em cima do joelho.
José Afonso atravessa "uma fase de cepticismo quanto à função da canção como processo de despertar consciências". Segundo afirma, "há meios em que a canção se revela um modo salutar, simples e directo de estabelecer uma convivência construtiva, de contribuir para uma melhoria das relações humanas". Não consegue, porém, "sugerir um tipo de coisas mais profundas".
- A canção, hoje em dia, é um pouco masturbativa: é um processo em que sai o tiro pela culatra. As pessoas começam a classificar as letras, a dividir os textos para verem se são ou não válidos. Às tantas, o cantor fica metido num beco sem saída. Além disso, as pessoas que ouvem as canções utilizam-nas como salvaguarda das suas próprias consciências, transferem os seus problemas e responsabilidades para o cantor, que se limita, como cantor de "music-hall", a ser um bem de consumo. Com a agravante de que um cantor integrado num meio profissional de "music-hall", além de ser um bem de consumo, transforma-se num alibi de consciências.
O importante, segundo José Afonso, é que se faça música de qualidade, incidindo, inclusivamente, nos temas tradicionais, líricos ou amorosos, desde que esses temas sejam, efectivamente, tratados de uma forma digna.
- Há quem pense que a arte de determinado tipo é aquela que vive de slogans considerados, aprioristicamente, possuidores de certo conteúdo político. Ora, eu penso que o tema amoroso, como qualquer outro, pode ser tratado numa perspectiva objectivamente interessante. A arte panfletária não é, necessariamente, revolucionária. Há muita gente que ignora que nós não temos arte directamente contestatária. Folheando os nossos romanceiros, os nossos cancioneiros, não se encontram canções que ponham em questão uma dada estrutura político-social. Nem sequer as canções de escárnio e maldizer. Dentro do nosso património cultural popular, existe uma aceitação implícita das estruturas vigentes. Quando se fala de arte popular e se pretende que um cantor traduza, de uma forma quase dialéctica, em termos precisos, uma situação social, e proponha, através da sua canção, um plano, eu penso que se está a pôr o carro adiante dos bois. Antes das canções, há muita coisa a fazer. Os indivíduos que afirmam que a canção de protesto foi recuperada, pensam que as canções são "engagés" quando, afinal, as pessoas (o cantor e o público) é que são "engagés".

Cantar para quem?

Em sua opinião, existindo uma comunidade de pontos de vista entre o público e o cantor, aquilo que a canção representa está para além do seu próprio conteúdo formal, reside na capacidade de as pessoas mutuamente se movimentarem, servindo-se de um pretexto.
- Poderá parecer pretensioso, mas, efectivamente, eu gostaria de cantar para as pessoas para quem a canção possa representar alguma coisa. Mas isso não é possível, porque, se eu fosse cantar para o ambiente em que vivem, como, aliás, já tenho feito, essa minha interferência, essa minha irrupção soaria como um acto de paternalismo. Isso sucederia até porque a minha presença não seria contínua.
O cantor procura acender um cigarro mas o isqueiro falha várias vezes. Ele não perde, porém, o fio à meada:
- Qual é a música que tem audiência junto dessas pessoas? A do conjunto da Maria Albertina e não as composições do ilustre Zeca Afonso ou outro do estilo.
José Afonso gostaria, evidentemente, que essa situação se modificasse e que a sua acção e a de muitos outros cantores fizesse com que as pessoas, tempo e elementos "inter-franqueassem" distâncias e o público ficasse em condições de aceitar as canções que interpreta, ou de as criticar, ou, ainda, de as ultrapassar, considerando-as um subproduto em relação às próprias exigências.
Há quem afirme que a obra de José Afonso tem evoluído e que as preocupações de antigamente cederam o lugar a temas mais livres...
- Tenho sempre dificuldade em rememorar fases e também uma certa aversão pela canção de conteúdo directo, que pretende sintetizar as mais diversas situações de uma forma esquemática. Isso parece-me um bocado didáctico.
Ele não pretende transmitir conhecimentos; quer, apenas, utilizar as formas de sensibilidade existentes, aproveitá-las para conquistar a adesão dos ouvintes. Segundo o cantor, verificou-se uma deformação do gosto do público e desapareceu a verdadeira canção popular ou, pelo menos, aquilo que nós imaginamos que seja o folclore - testemunho de certo modo de vida.
- As pessoas estão contaminadas por um gosto que lhes é fornecido, que lhes é imposto, e fixa, na verdade, as preferências da maioria. Torna-se urgente reagir, contribuir para uma higienização desse gosto.
José Afonso chegou, porém, à conclusão de que, neste particular, as canções puramente líricas "são um pouco impotentes".
Deste conjunto de preocupações nasceram, por exemplo, "Pombas" e "Trovas Antigas", canções simples, com letras simples, canções de roda, e outras, com temas mais directos.
- Muitas canções foram, todavia, feitas por motivos quase subjectivos, testemunhos de situações que eu vivi, intensas sob o ponto de vista vivencial... - disse-nos, quando lhe falámos de "Senhor Poeta".
Quais os critérios fundamentais que determinam a escolha dos temas de José Afonso? Que influências se revelam nas suas composições?
- Em geral, não subordino, até por impotência, por incapacidade de meios, por desconhecimento da música e por outras insuficiências resultantes da minha própria formação, não subordino a música a determinados temas, textuais ou musicais - explica-nos.
As canções surgem como relações quase autobiográficas. José Afonso afirma que aquilo que lhe ocorre, fundamentalmente, é a música, certos fragmentos musicais. São, por vezes, repetições, plágios inconscientes, que "apanha no ar, com facilidade". Depois, vão surgindo as palavras, enche as frases musicais de palavras, e vai-as distribuindo, subordinando-as às exigências do ritmo.
- Mas eu componho puramente de ouvido - confessa, sorrindo - Quando falo de composição fico atrapalhado...

Um certo tipo de alienação

Pouco a pouco, a esplanada enchia-se. O sol aquecera um pouco a manhã difusa. Aproximou-se um homem com uma caixa de pensos para curativos. José Afonso depositou uma moeda na tampa e tirou um penso. "Tire mais" - insistiu o homem. "Não, este é suficiente", respondeu o poeta.
Do outro lado da avenida chegava, cadenciado, o som monótono do rufar dos tambores dos soldados de um quartel.
Já se pôs a José Afonso o problema de se profissionalizar na música. Presentemente, está um pouco ligado ao disco, pois tem por missão fazer "umas tantas canções para uns tantos LPs, em determinado espaço de tempo".
- Diz-se, em certos meios, que o sr. Arnaldo Trindade [ver "Andanças do Andarilho"], pode vir a representar uma alienação... - sugerimos. Tranquilamente, José Afonso pergunta:
- Mas alienação porquê? Por abastardar a qualidade daquilo que faço ou por me prejudicar como homem?
- Foi em relação ao abastardamento da qualidade que se levantou a questão, sobretudo na medida em que da referida ligação resultariam compromissos que obviariam a que continue aquilo que tem feito até agora...
O cantor ficou em silêncio, por momentos. Depois disse:
- Não sei, veremos... Suponho, porém, que aquilo que está na forja é melhor do que aquilo que tenho feito. É muito cedo, ainda, porque há pouco tempo que assinei o contrato com o Arnaldo Trindade. Por razões de ordem fisiológica, ou canto ou dedico-me à pesquisa, no campo musical. Precisava, portanto, de um mínimo de profissionalização, de receber um ordenado para apresentar trabalho. Não sei se isso contribuirá para uma perda de qualidade ou se essa perda de qualidade virá a ser motivada pelo meu desconhecimento de música.
José Afonso afirma que as pessoas fazem uma ideia muito romântica acerca do que seja produzir qualquer coisa que esteja dependente da sensibilidade.
- A canção é um produto como os outros e para que se apresente nas melhores condições é preciso que haja uma certa disponibilidade de tempo que eu não teria se continuasse no ensino, enterrado até às orelhas dentro do magistério e preocupado com outras obrigações parcelares.
A actividade de professor do liceu que desempenhou teve influência na sua música:
- Durante o tempo em que ensinei no ciclo preparatório, conheci um tipo de relações de uma pureza impossível, pelo menos, entre nós, pessoas adultas.
Isso influiu poderosamente na produção de canções representativas como o "Menino de Oiro", o "Menino do Bairro Negro" e "Altos Castelos".
Algumas vezes (assim aconteceu em Moçambique, na Beira) a música serviu-lhe para complementar o ensino. Mas, de um modo geral, os alunos não "exigiam" que ele cantasse. Só por brincadeira.
- De qualquer modo, as próprias relações entre mestres e discípulos, quanto a mim erradas, fazem com que o aluno encare o professor como o "senhor professor", aquele que tem por missão pôr os riscos vermelhos nos pontos e ensinar a matéria. As relações entre o professor e o aluno, dentro de uma aula, no seio da rotina escolar, impedem que o jovem veja o mestre para além dessas limitações. No meu caso, não pude ultrapassar a situação, talvez por impotência ou deficiência de formação profissional... - diz-nos José Afonso.
Os operários, mais do que qualquer outro grupo, com o seu agudo sentido de fraternidade, exerceram, igualmente, uma influência sensível no cantor. Ele explica:
- Não foram particularmente estimulantes, no aspecto da criação. Se eu não tivesse convivido com operários, ver-me-ia obrigado a pôr em questão a função daquilo que canto. Acontece que a culpa não é dos operários mas, sim, minha. Não procuro iludir a minha origem burguesa, a minha experiência de estudante, embora esta tenha sido relativamente larga, devido a factores mais ou menos acidentais, como a possibilidade de estabelecer contacto com pessoas situadas fora do âmbito universitário.
Esse contacto não foi, conforme sublinha, determinado por nenhuma tomada de consciência, mas pelas circunstâncias especiais em que viveu em Coimbra:
- Convivi muito com sociedades de bailaricos. O Flávio Rodrigues era o meu acompanhador predilecto e eu fazia muitos passeios, ia cantar a catequeses, e se não era a catequeses era a outro sítio qualquer (aliás, eu não distinguia entre cantar para catequeses e cantar para bailaricos). E tudo isto e uma forma bastante anárquica de vida, em Coimbra, em torno da minha condição de estudante, é que me forneceram uma enorme diversidade de experiências. Para mim, foi proveitoso e estimulante da criação andar às boleias, não ter dinheiro, precisar de usar estratagemas para vencer algumas situações. Hoje, tudo isso está ultrapassado. Surgiu uma geração que racionaliza muito o seu comportamento num determinado sentido, como eu nunca fiz; e todas as minhas recordações começam a ser inúteis...

Atafulhado no ensino

A passagem de José Afonso por Moçambique revelou-se, também, "proveitosa, designadamente do ponto de vista musical"; o ritmo que está sempre na base das manifestações musicais dos africanos, impressionou-o e interessou-se pelo folclore e viu dançar a marrabenta ("Pareceu-me já uma forma degenerada de expressão da arte africana").
Em Moçambique, esteve "atafulhado no ensino". Fez pequenas viagens ao interior, em serviço de exames. Um dia, deslocou-se ao Zobué e cantou para os indígenas.
A posição do africano em face ao mundo do branco continua a impressionar José Afonso:
- Havia nos negros uma atitude contemplativa que nós, brancos, não éramos capazes de ter. O branco vai para África investido numa missão oficial ou profissional. Perante o mundo do branco, o africano tem um comportamento "filosófico", irónico, realmente "contemplativo"...
E o cantor analisa essa "bonomia de relações":
- Tratava-se de uma atitude correcta, cortês...
Dá o exemplo de um acidente de viação. Enquanto os brancos discutem quem pagará as indemnizações, os africanos, contemplam o espectáculo, sorrindo.
Ou então:
- Em Lourenço Marques, a senhora vai às compras e leva o "mainato" no assento de trás do carro. Este acaba por ser o patrão e a patroa o "chauffeur".
A passagem de José Afonso por África reflectiu-se em composições como "Vai Maria vai", que cantou em conjunto com Teresa Paula Brito, e "Era de noite e o levaram". José Afonso acrescenta que gostaria de encher as suas músicas só com instrumentos de percussão, e ir eliminando, pouco a pouco, os preconceitos ligados à melodia, que, segundo afirma, derivam do fado de Coimbra.
Entretanto, admite a possibilidade de ter recebido, ainda, uma (difusa) influência de Joan Baez, cujas composições ouviu, pela primeira vez, em Moçambique. Mas como afirma, ficam-se por aí os pontos de contacto entre as suas canções e a música estrangeira. Na verdade, José Afonso elabora e interpreta de uma forma muito pessoal o seu repertório. Durante os espectáculos em que participa, chega a esquecer-se das letras que ele próprio escreveu e, em geral, é o público que lhe aviva a memória. Uma amnésia provocada pelas condições difíceis que rodearam, em determinado período, a vida do cantor, justifica essas singulares situações a que parece não ser estranho, também, o desprendimento de José Afonso em relação à obra que realizou.
- Talvez exista um certo desprendimento... - concorda o autor de "Trás outro amigo também". E explica: "Encaro tudo por um prisma bastante lúdico. Estou sempre a pensar que, em breve, deixarei de cantar para fazer outra coisa qualquer. De resto, dedico-me à música com menos gosto do que, por exemplo, ao desporto."
José Afonso fala-nos, uma vez mais, da sua experiência de professor:
- Gostei muito de ensinar, mas o ensino não me ofereceu a diversidade de vivências que retiro da minha actividade de cantor. Estou indeciso quanto ao que, efectivamente, prefiro fazer. No fundo, não me desagradaria exercer, alternadamente, as duas profissões: dois anos a ensinar, um ano a cantar...

O movimento das baladas

O diálogo derivou para o chamado movimento das baladas. Há algum tempo, elementos integrantes dessa tendência concluíram ter chegado o momento de fazerem um balanço, e apuraram que o género a que se dedicavam não era, afinal, a "via" procurada. Dos baladeiros que proliferaram durante cerca de três anos no quadro de música ligeira apenas dois ou três sobreviveram. José Afonso possui uma opinião formada acerca do assunto:
- Até à data, nunca se pusera em questão a função da música ligeira. A partir da altura em que surgiram os primeiros cantores do novo movimento, as pessoas começaram a perguntar se estariam perante a "via" certa da canção nacional. Isto demonstra já a importância das baladas. Houve, de resto, uma melhoria sensível da qualidade dos textos. Atribuiu-se, no entanto, demasiado valor aos poemas. Muitas canções viviam mais da letra do que da música. E uma coisa é um poema, outra um texto para ser cantado...
Segundo José Afonso, os baladeiros desenvolveram uma acção colectiva, que não pode deixar de se considerar válida. Apresentaram-se em colectividades onde nunca tinham entrado cantores profissionais e levaram às respectivas massas associativas um pouco de cultura:
- Antes de se tornarem autores, esses cantores eram indivíduos com opiniões e dotados de uma grande vontade de intervir nos acontecimentos. Não buscavam o vedetismo.
E o poeta acrescenta:
- Não se tratava de profissionais. Assim, muitas das canções que produziram parecem-me banais, do ponto de vista musical, já que se baseiam apenas em duas ou três posições à viola. Em todo o caso, conheço alguns cantores que se integram no movimento e possuem inegável valia. Um deles é o José Mário Branco que vive em França. Duvido que exista, entre nós, fora do âmbito das baladas, alguma composição que se compare às que ele realiza.
Tal como os badaleiros, José Afonso também não persegue o vedetismo:
- Não me interessa que me considerem um músico ou uma vedeta. Pelo contrário, estou empenhado em conseguir que se desfaça a impressão de que me tornei uma coisa que deve colocar-se numa redoma. Uma vez que me acusam de ter sido injustamente mitificado, quero afirmar que sou apenas uma pessoa comum. Não contribuí, pelo menos de forma consciente, para que me propusessem como exemplo humano a seguir. Recuso-me, terminantemente, a transformar-me num mito de segunda ordem, ou de que ordem seja; tenho defeitos de diversa natureza, insuficiências, mais do que limitações. Canto, de vez em quando, como poderia fazer judo, jogar futebol ou dedicar-me à literatura policial.
À tarde, após o almoço, passeámos com José Afonso, por Setúbal. Na parte mais antiga da cidade, mostrou-nos, com um entusiasmo espontâneo, recantos, ângulos da paisagem, simples pormenores de edifícios. Caminhava vigorosamente, era quase a custo que acompanhávamos as suas passadas. Numa taberna do cais deteve-se a falar com alguns pescadores que conhecia e engoliu um copo de vinho que lhe ofereceram.
Embora se considere desadaptado em relação ao meio pequeno em que vive, José Afonso procura actuar sobre esse meio, para o modificar, não obstante conheça as dificuldades que tem de enfrentar. Por isso se integrou no Círculo Cultural de Setúbal.
- Tenho poucas relações, em Setúbal, todas elas quase acidentais. Um ou outro empregado de mesa, alguns amigos com preocupações semelhantes às minhas, e pouco mais - diz-nos.
Para José Afonso, Setúbal é uma espécie de "porta-aviões", aonde chega e de onde parte constantemente, foi ali colocado como professor, gostou da cidade e da respectiva situação geográfica e ficou.
- Sou um sujeito que dá os seus passeios ao domingo, e nada mais. Gosto da terra. É cómoda, sob o ponto de vista das relações sociais.
Diz o cantor que, em Setúbal, ninguém o conhece. Em sua opinião as pessoas olham para ele como para outro indivíduo qualquer. Aprecia o campo e a proximidade do mar. O contacto com a natureza é uma coisa que o "enche, de uma maneira particularmente intensa".
- A configuração da região, a Arrábida, umas pistas que há por aqui, permitem que me dedique a formas mais ou menos higiénicas de vida, as quais me dão muita satisfação - diz-nos.
Gosta também de atravessar o Tejo, de ir do Barreiro a Lisboa, de Cacilhas ao Terreiro do Paço, ou de "participar, como normal figurante, numa entrada de um desafio de futebol".
Actualmente, vai poucas vezes ao futebol, porque a paixão clubista, a "beatice futebolística" o irrita. Entende, porém, que o fenómeno da presença das multidões num campo de jogos é perfeitamente explicável.
- Não há que criticar as aglomerações, mas apenas o modo como se comportam e em função de que interesses - acrescenta.
Depois, ressalva:
- Mas não assumo qualquer atitude paternalista relativamente às paixões clubistas.
José Afonso jogou futebol nos juniores da Académica e praticou judo.
- Fui mesmo um viciado no judo e até parti uma perna em dois sítios. Tenciono, aliás, voltar à actividade.
Com 41 anos, o cantor declara-se fisicamente "em forma" e psicologicamente "muito gasto". Lê bastante, embora sem um critério definido, e nunca acaba os livros porque, segundo afirma, "não percebe as histórias":
- Não consigo nunca entender, por exemplo, os romances policiais...
Detesta livros de anedotas, mas dedica-se, frequentemente, à leitura de revistas de informação político-social nacionais e estrangeiras e, pelo fim da tarde, debruça-se sobre os jornais.
- Trago sempre um livro no bolso e faço grandiosos planos de estudo que nunca cumpro.

A frequência de Londres

Recentemente, o cantor gravou um LP em Inglaterra. A propósito, conta que, no primeiro ensaio, efectuado em Lisboa, utilizou diversos instrumentos escolhidos no próprio local da gravação. O padre Fanhais tocou bombo e o José Fortunato veio do Barreiro, propositadamente, para acompanhar o "São Macaio".
- Aquilo que eu tinha em mente era, porém, ir a Inglaterra - acrescenta. E explica: "Estava farto de Setúbal. Queria por força ir a Inglaterra. Como em Portugal as condições técnicas provocaram distorções de voz, o desaparecimento dos graves e dos agudos, etc., decidi recorrer aos estúdios da Pye. Então, seleccionei canções susceptíveis de serem interpretadas com um único acompanhador. Depois, chegaria à conclusão de que muitos dos trechos mereciam melhor tratamento, um suporte musical de qualidade superior.
José Afonso cantou acompanhado por Boris. Rui Pato encontra-se a cumprir serviço militar obrigatório e, consequentemente, não estava disponível para se deslocar a Londres.
- Tenciono voltar a trabalhar com o Rui - diz José Afonso - Ele atira para o clássico, enquanto que o Boris pertence ao tipo "folk".
Na opinião do cantor, as suas composições não são conhecidas em Inglaterra porque existe, naquele país, uma música ligeira muito evoluída, com a qual não pode competir:
- Londres é a capital da "pop-music". Os estilos e as técnicas adoptadas na capital britânica não se comparam com os que cultivamos em Portugal. Mas notei uma reacção muito boa aos meus discos, em França e na Bélgica.
Ao serviço de Arnaldo Trindade, José Afonso percorrerá o País, em busca de novos valores da canção nacional. A propósito, esclarece:
- Limitar-me-ei - que remédio! - aos meios mais refinados, ao plano vasto e, simultaneamente, limitado em que decorre a minha própria existência. Procuro indivíduos com imaginação, que componham música de qualidade e vendável. O Arnaldo Trindade é um comerciante. A tarefa que me encomendou subordina-se a objectivos comerciais. Tenho, porém, a maior liberdade de acção. O patrão, que também é um homem de vistas largas, dá-me carta branca. Estou, sobretudo, interessado em cantores dos subúrbios das cidades angolanas e moçambicanas. Acho que ainda existem aí estilos e técnicas originais e ignorados.
José Afonso procederá a uma investigação de carácter etnográfico. Paralelamente, preocupar-se-á com a sua obra e tentará libertar-se dos vícios que afirma afectarem as canções que compõe. Para tanto, propõe-se retirar da música "pop" os elementos necessários:
- Gostaria de ser capaz de fazer em Portugal, juntamente com outros, o que Edu Lobo, Caetano Veloso e Gilberto Gil - citando apenas aqueles que conheço - fizeram no Brasil, salvaguardadas, evidentemente, as devidas distâncias. De facto, o filão musical e a multiplicidade das experiências dos cantores brasileiros deixam-nos a perder de vista. De resto, a interpretação de música "pop" deve ficar para o Paulo de Carvalho que é exímio nisso.
Paulo de Carvalho permaneceu, por momentos, no centro da conversa. Segundo José Afonso, ele corre o risco de se transformar num cantor "pop" igual aos outros:
- Cantando em inglês, não contribuirá para o progresso da música especificamente portuguesa.
- Ouvir o Paulo de Carvalho será, pois, o mesmo que ouvir Tom Jones - alvitrámos.
José Afonso meneou a cabeça:
- Bem, eu gosto mais do Paulo de Carvalho. O que queria dizer era que, sendo um bom cantor "pop" de língua inglesa, ele interessará tanto ao público inglês como ao português.
Falámos, depois, acerca de projectos. Uma das principais preocupações actuais de José Afonso, consiste em mudar de casa. Durante o nosso longo passeio pelas ruas de Setúbal, ele espreitou para o interior de todas as vivendas com "escritos" nas janelas, situadas perto do cais. Agilmente, trepava pelas saliências das paredes e olhava, através dos vidros, as salas vazias. A escolha parecia difícil. José Afonso é um homem comum. E as suas apreensões e esperanças são as de um homem comum:
- Durante um ano e meio ou dois - não sei ainda - tenho de viver do meu ofício presente. Entretanto, tenciono melhorar as minhas canções, sobretudo do ponto de vista musical, dar-lhes um suporte instrumental de melhor qualidade. Depois, voltarei ao ensino. Isso acontecerá, inevitavelmente, quando já não tiver voz para gravar discos ou quando atingir a saturação e começar a repetir-me. Mas não escondo que o meu fundamental objectivo consiste em garantir a subsistência da família.

fonte ~ visão

28 de julho de 2009

No Mazurka Band : Elvira

Foi um festim!

© Mário Abreu / d’Orfeu

Foi um festim! Dois meses de intensa programação chegaram ao fim, da melhor forma, em Águeda e Aveiro, com a Amsterdam Klezmer Band na sua máxima força. Os últimos concertos dos holandeses na região acabaram, invariavelmente, com o público a dançar em frente ao palco, na descarga de um inigualável cocktail klezmer. A Amsterdam Klezmer Band deixou a sua marca como um dos grandes nomes deste festim, numa galeria para recordar: Hermeto Pascoal (Brasil), Kepa Junkera (País Basco), Le Vent du Nord (Québec), Musafir (Índia), Manecas Costa (Guiné-Bissau) e Antonio Rivas (Colômbia).

Águeda, Sever do Vouga, Estarreja e Ovar (municípios principais, com festim garantido nos próximos anos), a que se associaram nesta 1º edição os municípios de Oliveira do Bairro, Albergaria-a-Velha e Aveiro, acrescentam à sua história cultural a ousadia de partilhar um festival intermunicipal de músicas da mundo, por iniciativa da d’Orfeu Associação Cultural.

24 de julho de 2009

[1 em 2] A gente não lê

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
Rogar a Deus que nos guarde
Confiar-lhe o destino na mão

Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais

E do resto entender mal
Soletrar assinar em cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós
A gente morre logo ao nascer
Com olhos rasos de lezíria
De boca em boca passar o saber
Com os provérbios que ficam na gíria

De que nos vale esta pureza
Sem ler fica-se pederneira
Agita-se a solidão cá no fundo
Fica-se sentado à soleira
A ouvir os ruídos do mundo
E a entende-los à nossa maneira

Carregar a superstição
De ser pequeno ser ninguém
E nã quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem

Carlos Tê / Rui Veloso

Rui Veloso, concerto 20 anos de carreira [Fora de moda, 1982]


Isabel Silvestre [A Portuguesa, 1997]

Morreu Joaquim Luís Gomes

Nascido em 1914, em Santarém, Joaquim Luís Gomes começou a aprender música na capital ribatejana, inscrevendo-se posteriormente no Conservatório Nacional, onde concluiu o curso superior de composição.
Aos 18 anos integrou o Batalhão de Caçadores 5, em cuja banda tocava clarinete e à qual permaneceu ligado oito anos.
Convidado em 1940 a integrar a Banda da Guarda Nacional Republicana, uma das mais importantes formações musicais da época, trocou o clarinete pela harpa mas a doença que o acometeu acabaria por pôr fim à sua carreira militar.
A par da sua actividade na Banda da Guarda Nacional Republicana, Joaquim Luís Gomes trabalhava na Emissora Nacional, onde desenvolveu uma carreira de orquestrador de música ligeira ímpar, e colaborando com alguns dos mais destacados intérpretes da altura, entre os quais Maria Clara, Maria de Lurdes Resende, Francisco José, Tony de Matos, Carlos do Carmo, Simone de Oliveira, Fernando Tordo, e Amália Rodrigues.
Da fadista refira-se, além do LP de folclore que gravou, a belíssima orquestração de “Grândola, vila morena” ou “Nostalgie”.
Chefe de orquestra, domínio em que a sua obra ficou, segundo a nota da SPA, "marcada por uma grande originalidade e sentido de modernidade", Joaquim Luís Gomes dirigiu festivais da canção em Portugal, Inglaterra, Brasil e Espanha, em vários dos quais foram interpretadas canções que ele próprio compusera e orquestrara.
Como compositor, assinou bandas sonoras para filmes de ficção e para documentários cinematográficos, e escreveu música para teatro.
Noutro plano, o da música erudita, escreveu obras para orquestra sinfónica, harpa e piano, com destaque para "Pérolas Soltas", "Abertura Scalabitana", "Abidis", "Sonata em Mi Bemol" (para piano) e "Mar Português", inspirada nos poemas de "Mensagem", de Fernando Pessoa.
Em 2005 foi distinguido com a Medalha de Honra em 2005, nas comemorações do 80.º aniversário da instituição.
fonte ~ hardmusica

19 de julho de 2009

Quem canta seus males espanta

Quem canta seus males espanta from Tiago Pereira on Vimeo.

Vencedor do prémio "melhor realizador" dos encontros de cinema documental da Malaposta, Novembro 1998.

18 de julho de 2009

Roncos do Diabo : Fado Batido

Roncos do Diabo: do concerto para o disco

A banda de gaita-de-foles mirandesas (+ grande percussão) Roncos do Diabo acaba de editar o seu primeiro álbum. Registo gravado ao vivo em Almada, no Auditório Fernando Lopes-Graça, a 26 de Janeiro de 2008.

Uma verdadeira celebração da música popular portuguesa (e mirandesa), realizada no ambiente escaldante do Fórum Romeu Correia a rebentar pelas costuras, repleto de amigos do quinteto que vieram de várias partes dos país, como o projecto de percussão Tocandar da Marinha Grande, o cantautor Sebastião Antunes e os Pauliteiros da Associação da Lhengua Mirandesa.

“Maxura e Mirandum Carvalhesa”, “Passodoble Português”, “Quero Que Ti Te Fodas”, “Carvalhesa de Vinhais”, “Por Entre Vales”, “Fandango Asturiano”, “Campanitas de Toledo”, “Alvorada”, “Murinheira Burriqueira”, “Adelaida”, “Repaseado de Rio de Onor”, “Saia da Carolina”, “Jota Carvalhesa de Rio de Onor”, “Fado Batido” e Baile das Oliveiras” constituem a «set list» do espectáculo que deu origem ao alinhamento deste álbum homónimo, que já pode ser adquirido após os espectáculos dos Roncos do Diabo (para saberem as datas dos concertos consultem o myspace deles), mas que só será distribuído nas lojas no próximo mês de Setembro.

fonte ~ crónicas da terra

17 de julho de 2009

Pedro Moutinho : Um Copo de Sol [Um copo de sol, 2009]

Bebe um copo de sol
Com mais de mil milhões de anos
Que é da estirpe das estrelas que destilam os humanos
Deixa o calor afogar-se na veia
Há lá coisa assim mais séria que andar nesta bebedeira

Bebe um copo de sol
Um de copo sol “on the rocks”
E tem paixões siderais de Lisboa até Cascais
P’ra beber sol
O mundo inteiro é uma tasca
Onde a gente se enfrasca de manhã ao pôr do sol

Bebe um copo de sol
Que a tarde vem bem avançada
A lua está mesmo a chegar e p’ra beber nunca tem nada
P’ra se vingar, a lua inventa um arder
Que num fermento qualquer a gente aprende a beber

Bebe um copo de sol
Por mim, por ti, por todos nós
Frutos da seiva solar que nos fez netos, nos faz avós
Vai luz adentro ao campo bom desta adega
Como um corpo que se dá
Bebe o sol que a ti se entrega

Amélia Muge


Vem aí uma série documental sobre fado na RTP

Contactada pelo Hardmusica a RTP não confirmou e perante a nossa insistência colocando questões concretas, em nota enviada ao Hardmusica o gabinete de Relações Públicas declarou por escrito: “Se acha que tem informação noticiosa suficiente está perfeitamente à vontade para escrever. Sobre a posição da RTP sobre o assunto - programação e emissão. Só oportunamente o iremos efectuar” /sic/. Nós informamos já o que sabemos e temos por certo.
O título – “Trovas antigas, saudade louca” - remete de imediato para um dos fados de maior sucesso de Carlos do Carmo, “Bairro Alto”, e procura em (tão poucos) seis episódios contar a história do fado de Lisboa (que o de Coimbra são outras as notas).
Das origens presumivelmente brasileiras do lundum aos dias de hoje de Carminho, conta-se a história de uma das canções que sempre mal quista – críticas sempre houve – tem sido a principal e mais constante bandeira de Portugal no mundo, desde essa “bandeirante” que foi Amália Rodrigues à Mariza de hoje. O termo “bandeirante” pode chocar os mais conservadores mas na realidade bandeirante eram aqueles que indo com uma bandeira foram procurando prolongar o território do Brasil (ainda português) até ao interior tanto quanto lhes foi possível. Ora é absolutamente aplicável à grande Amália Rodrigues que graças ao seu talento e inteligência levou guitarras e violas ao Olympia, não o de hoje que é alugado, mas quando o seu cartaz era referência internacional, ao México e ao Hollywood Bowl, Japão, Isarel, Roméria e até à ex-URSS, quando não se faziam tournées de avião e as casas eram cheias pela bilheteira sem patrocínios.
Voltando à série, apesar das Relações Públicas da RTP não confirmarem nada o Hardmusica está em condições de adiantar que esta série será apresentada por Carlos do Carmo, constituída por seis episódios e conta com as participações das fadistas Carminho, Joana Amendoeira, Raquel Tavares, Cuca Roseta, Aldina Duarte, Maria da Fé, e Argentina Santos e as vozes masculinas de Rodrigo Costa Felix, Pedro Moutinho, Camané, António Zanbujo, Ricardo Ribeiro e claro está Carlos do Carmo. Todos estes fadistas gravaram propositadamente para o programa temas do seu repertório em cenários como a Adega Machado, Clube do Fado, Mesa de Frades e Senhor Vinho.
Mas não será uma série de fados, segundo o Hardmusica sabe, foi feita uma “atenta pesquisa” aos arquivos da RTP, aproveitando-se muito material, algum pouco conhecido, de nomes como os incontornáveis Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro, Hermínia Silva e Maria Teresa de Noronha. Por outro lado, a série conta com testemunhos de várias personalidades mais ou menos ligadas ao fado, casos de José Mário Branco, Eduardo Sucena, Vitorino d’Almeida, os presidentes da Academia do Fado e da Guitarra Portuguesa e dos Amigos do Fado, respectivamente Luís Penedo e Luís de Castro, e ainda Miguel Silva, José Moças que esteve envolvido na aquisição da colecção de discos Bastin, e claro está Sara Pereira a directora do Museu do Fado, além dos académicos como Salwa Castelo-Branco e o próprio Rui Vieira Nery.
Segundo fontes bem informadas, o guitarrista Raul Nery e o viola-baixo Joel Pina, assim como mestre José Fontes Rocha são outros dos participantes de luxo desta série. As entrevistas segundo apurou o Hardmusica foram conduzidas pelo jornalista Nuno Lopes que já coordenou as Jornadas de Fado na Fonoteca Municipal e encerrou a exposição sobre Berta Cardoso no Museu do Fado, entre outras iniciativas.
O Hardmusica não conseguiu apurar como se dividirão os episódios mas sabe-se que desde antes da Severa até aos fadistas da actualidade como Carminho, passa-se em revista o fado, os seus poetas, compositores, acompanhadores e claro está fadistas, sendo neste campo tão vasta a galeria que circulam já no meio fadista ausências de peso, e há sempre nomes, num universo tão grande e brilhante, escolhas difíceis de fazer.
Até à data é “esperar para ver” e todos os palpites que circulam pela fadistagem são isso mesmo: palpites, se estivéssemos em Londres havia já apostas, quem canta o quê, quem vai aparecer, quanto tempo de emissão é dispensado a cada um. Algumas certezas há: os incontornáveis surgirão e com o devido tempo de antena (espera-se), Amália terá de ser omnipresente, Carlos do Carmo abrirá e encerrará os programas e além dos seus fados de sempre iremos com certeza ter os novos (belíssimos) do CD “À noite”. Para já um aplauso à estação pública por se interessar pela canção nacional, e que a história continue!
fonte ~ hardmusica

16 de julho de 2009

A Música é para todos!

Ao Alcance de todos 2009 from Tiago Pereira on Vimeo.

Orquestra Típica de Águeda : Na rota dos ventos





Espectáculo multimédia "Na Rota dos Ventos" da Orquestra Típica de Águeda.
Vídeos realizados por Léa Prisca López.

Mapa etno-musical de Portugal

O mapa etno-musical de Portugal procura contribuir para a divulgação da música tradicional portuguesa e dos respectivos instrumentos. Não pretende ser uma obra académica ou a palavra final e única, mesmo que sintética, sobre esta matéria, mas, não o sendo, segue com rigor a palavra de quem lhe consagrou todo o seu trabalho.
O critério de divisão geográfica por já desusadas províncias, ainda que discutível (como tudo…), pareceu-nos o mais adequado e eficaz, atendendo às particularidades geográficas e sociais de cada região e à permanência dos seus nomes na nossa memória.
Adoptou-se, porém, genericamente, a distinção de Ernesto Veiga de Oliveira, figura maior e indisfarçável deste trabalho, entre o litoral do Minho ao Tejo, depois prolongado na costa algarvia - festivo, social e folgazão -, e o interior dos planaltos transmontano e beirão, que se estende, entre o litoral do Minho ao Tejo, depois prolongado na costa algarvia - festivo, social e folgazão -, e o interior dos planaltos transmontano e beirão, que se estende, embora com particularidades, ao Alentejo - austero, grave e cerimonial.
Para esta viagem, ligue o som das suas colunas e parta à descoberta de Portugal e seus elementos etno-musicais.

Maio Maduro Maio [Amélia Muge, João Afonso e José Mário Branco]



Música de José Afonso continua viva

A música de José Afonso continua viva nas muitas versões de temas do cantor que continuam a ser feitas "por diversos intérpretes, portugueses e estrangeiros, e nos mais variados registos musicais", afirmou hoje a historiadora Irene Flunser Pimentel.

A autora da fotobiografia de José Afonso falava na Casa da Imprensa, onde teve lugar a apresentação da obra, publicada pelo Círculo de Leitores e pela Temas e Debates.

Segundo Irene Pimentel, "dos anos 60 até ao presente existe mais de uma centena de versões de temas cantados originalmente por José Afonso, inclusive uma versão do "Grândola, Vila Morena" em sueco" e, segundo Joaquim Vieira, "uma outra em jazz, um estilo de que o Zeca até nem gostava".
fonte ~ rtp

12 de julho de 2009

Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra : Santa Clara-a-Velha de Coimbra

"Os tais vadios" que se rendem ao fado nos bares e tascas do Porto

Nas tascas e bares do Porto canta-se o fado vadio. São amadores que, no tempo livre, dão voz ao sentimento através do fado.

São "cantores, amadores, trovadores", "artistas inspirados e valentes" que não cantam "só para se mostrar à gente". São pescadores, advogados, engenheiros, os que, nas horas livres, entregam a voz ao fado. "Os tais vadios!", diz a canção idiz a cançãonspirada nos fadistas destas tascas e bares rústicos.

Mas, embora o termo "fado vadio" seja o mais utilizado para classificar estas actuações vespertinas ou nocturnas, há quem prefira chamar-lhe "a escola do fado" ou o "fado amador".

Para Lúcio Antunes, apresentador há quatro anos do Fado Menor, local onde nos encontramos, e fadista há "20 e poucos", é "mais ético chamar-lhe a escola do fado" pois "todas as vozes sonantes do fado passaram por estas casas, pelo fado amador".

"O fado para mim não é vadio, é fado amador", replica Júlio Soares, também fadista "residente" da casa. "Isto porque há maior camaradagem, melhor coração, melhores sentimentos."

"Vou cantar o fado até que a voz me doa"

"Vou cantar o fado até que a voz me doa, como dizia a outra...", confessa Lúcio Antunes, referindo-se a Maria da Fé, fadista a celebrar 50 anos de carreira. Quanto a apresentar as sessões de fado todas as segundas-feiras, Lúcio mostra-se emocionado e orgulhosoorgulhoso.

Nas apresentações deixa-se levar pela espontaneidade e, quando lhe perguntamos se consegue encher a casa, Lúcio Antunes dá, prontamente, provas da sua competência: "consigoConsigo".

"É um espírito de alma, exactamente um espírito de alma"

"Enquanto o fado profissional é a ganhar, nós amadores, ainda pagamos para cantar", salienta Júlio Soares. "Cantamos porque gostarmos. Isto é um bicho, que vai nas pessoas - dizem que não, mas acaba por aparecer nas pessoas que cantam fado", afiança Júlio Soares.

Rosa Pereira tinha oito anos quando "sentiu o bichinho", mas só começou a cantar aos 18 pois "os antigos diziam que quem cantava o fado iria ter uma má famamá fama". Só canta aquilo que sente. Não sabe explicar por que razão o fado ocupa tamanho lugar na sua vida. Simplesmente, adora fado.

As casas de fado dão oportunidade a quem quer cantar. São essenciais para se "fazer aquilo de que se gosta", defende Rosa, sem deixar de lamentar que não existam verdadeiras "casas de fado" e apenas "estas tasquinhas". Ainda assim, diz, "vale a pena".

"Não é só em Lisboa que tem que haver fadistas, também tem que haver aqui no Porto", sustentasustenta a fadista amadora, depois da actuação na adega Beira Rio.

"Todos os fadistas são pessoas humildes"

Quando se fala de fadistas profissionais, Maria Augusta Melo, frequentadora assídua das casas de fado, revela que já tem ido assistir a espectáculos de nomes conhecidos, mas não lhes dá "muito apreço". Até porque é a "humildadehumildade" que faz a diferença.

Maria Augusta confessa que vai a "quase todas as casas de fado vadio". Hoje, segunda-feira, optou pela Fado Menor. "Sou louca pela casa de fados", confessa, entusiasmada. Há um pequeno silêncio na explicaçãoexplicação desta vontade, que, invariavelmente, arrebata os frequentadores desta "escola de fado", quando verbalizam este sentimento de ir, ouvir, cantar e voltar.
fonte ~ JPN

6 de julho de 2009

Camané : Sempre de mim [documentário]




"Sempre de mim" com edição em DVD

O espectáculo de apresentação do álbum «Sempre de mim», do fadista Camané, que no ano passado, esgotou o Coliseu dos Recreios, vai ser editado em DVD a 22 deste mês.

Intitulada «Camané ao vivo no Coliseu», será uma edição limitada em formato digipack em CD e DVD e que inclui como extra um conjunto de fotografias de Reinaldo Rodrigues.

O fadista partilhou o palco do Coliseu com José Manuel Neto (guitarra portuguesa), Carlos Manuel Proença (viola) e Paulo Paz (contrabaixo), tendo sido convidado especial Carlos Bica (contrabaixo).

Camané e Bica interpretaram uma nova versão de «Asas fechadas» (Luís Macedo/Alain Oulman), um fado do repertório de Amália Rodrigues que o fadista recriou pela primeira vez.

«Camané ao vivo no Coliseu» apresenta temas do álbum de platina «Sempre de mim» como «Sei de um rio», «Te juro» ou «Dança de volta», e também junta outros fados de álbuns anteriores, como «Saudades trago comigo», «Triste sorte», «Senhora do Livramento» ou «Fado sagitário».

Segundo refere a Lusa, o fadista anunciou em Loulé que irá gravar a actuação do próximo dia 17 no Cool Jazz festival, no Jardim da Cerca, em Mafra, com vista à edição de um álbum que se intitulará «Vadios».
fonte ~ IOL Diário

Ana Moura : O que foi que aconteceu [Aconteceu, 2004]

Aconteceu
Eu não estava à tua espera
E tu não me procuravas
Nem sabias quem eu era
Eu estava ali só porque tinha que estar
E tu chegaste porque tinhas que chegar
Olhei para ti
O mundo inteiro parou
Nesse instante a minha vida
A minha vida mudou
Tudo era para ser eterno
E tu para sempre meu
Onde foi que nos perdemos?
O que foi que aconteceu?
Tudo era para ser eterno
E tu para sempre meu
Onde foi que nos perdemos, meu amor?
O que foi que aconteceu?
Aconteceu
Chama-lhe sorte ou azar
Eu não estava à tua espera
E tu voltaste a passar
Nunca senti bater o meu coração
Como senti ao sentir a tua mão
Na tua boca o tempo voltou atrás
E se fui louca
Essa loucura
Essa loucura foi paz
Tudo era para ser eterno
E tu para sempre meu
Onde foi que nos perdemos?
O que foi que aconteceu?
Tudo era para ser eterno
E tu para sempre meu
Onde foi que nos perdemos, meu amor?
O que foi que aconteceu?

ToZé Brito

Finalmente "Stones world" com Ana Moura

A proposta do saxofonista convidado da banda de Mick Jagger a outros artistas, designadamente da área de "world music", é interpretarem canções da banda britânica. À fadista portuguesa coube "No expectations" e "Brown sugar", temas em que introduziu algumas estrofes em português, traduzidas por Jorge Fernando, que fez também os arranjos para fado. Além de Ries (saxofone soprano), Ana Moura é acompanhada nos dois temas por Charlie Watts (tambor), Marc Miralta (cajon e percussão), Thomas Bramerie (baixo), Jordi Bonnel (guitarra eléctrica), Chuck Leavell (piano), e ainda pelos portugueses Jorge Fernando na viola e Custódio Castelo na guitarra portuguesa.
Os dois temas foram gravados em Novembro de 2006 no estúdio MB, de Mário Barreiros, em Canelas (Vila Nova de Gaia), aproveitando a presença da banda no Porto, quando actuou no Estádio do Dragão.
Em declarações à Lusa, Ana Moura afirmou que "a gravação correu muito bem, tendo-se procurado com a guitarra portuguesa dar uma sonoridade fadista aos temas". "No caso de 'Brown sugar' é mesmo um fado corrido", sublinhou.
“Hoje, com o CD a sair, guardo ternura pelo momento da gravação. Gravámos todos juntos, na mesma sala, e foi uma emoção estar a partilhar o mesmo espaço com aqueles músicos excepcionais", disse a criadora de “Búzios”.
Além da fadista portuguesa foram também convidados, entre outros, Milton Nascimento, Minako Yoshida, os Tidawt, Bernard Fowler, Fatima El Shibi, Lisa Fischer, Marcos Herrera, Mario Montoya, e Badal Roy.
O projecto "Stones world" será apresentado, com Ana Moura, na próxima quinta-feira (dia 09) em Lisboa, no Cinema S. Jorge, onde aliás actuaram juntos o ano passado Ana Moura e Tim Ries.
fonte ~ hardmúsica

1 de julho de 2009

TIAGO PEREIRA VS GIACOMETTI

O rural vai ser sempre contaminado pelo urbano, mas o urbano tem obrigação de realçar o bom que o rural tem, tornando-o mais urbano ainda sem perder a essência do rural... Complexo? Não, nem por isso, até é bastante simples. A paisagem sonora pode e deve ser música da memória e utilizada até mais não, e os velhos devem ser pessoas, não deuses rurais de um cantar perfeito.
Tiago Pereira