18 de fevereiro de 2009

Uxu Kalhus : Erva Cidreira [Revolta dos Badalos, 2006]

ó erva cidreira
estás no telhado
quanto mais te rego
mais pendes p'ró lado
mais pendes p'ró lado
mais a rosa cheira
estás no telhado
ó erva cidreira

refrão:
toda a moça que é bonita
na maior força de amar
jura amor que eu também juro
não me andes a falsear
não me andes a falsear
meu amor agora agora
dois passos para diante
meia volta e vai-te embora

ó erva cidreira
estás na varanda
quanto mais te rego
mais pendes p'rá banda
mais pendes p'rá banda
mais a rosa cheira
estás na varanda
ó erva cidreira

(refrão)

ó erva cidreira
estás no alpendre
quanto mais te rego
mais pendes p'rá frente
mais pendes p'rá frente
mais a rosa cheira
estás no alpendre
ó erva cidreira

popular / uxu kalhus

Transumâncias Groove já à venda



17 de fevereiro de 2009

Mafalda Arnauth : O mar fala de ti [Flor de Fado, 2008]

Eu nasci nalgum lugar
Donde se avista o mar
Tecendo o horizonte
E ouvindo o mar gemer
Nasci como a água a correr
Da fonte

E eu vivi noutro lugar
Onde se escuta o mar
Batendo contra o cais
Mas vivi, não sei porquê
Como um barco à mercê
Dos temporais.

Eu sei que o mar não me escolheu
Eu sei que o mar fala de ti
Mas ele sabe que fui eu
Que te levei ao mar quando te vi
Eu sei que o mar não me escolheu
Eu sei que o mar fala de ti
Mas ele sabe que fui eu
Quem dele se perdeu
Assim que te perdi.

Vou morrer nalgum lugar
De onde possa avistar
A onda que me tente
A morrer livre e sem pressa
Como um rio que regressa
À nascente.

Talvez ali seja o lugar
Onde eu possa afirmar
Que me fiz mais humano
Quando, por perder o pé,
Senti que a alma é
Um oceano.

Tiago Torres da Silva/ Ernesto Leite

Entrevista Mafalda Arnauth [Flor de Fado, 2008]

Sendo este o seu quinto trabalho, podemos considerá-lo como o despontar para um “novo fado” mais pessoal e intimista?

De alguma forma, tenho procurado sempre transmitir algo extremamente pessoal, íntimo, transparente que decorre do facto de cantar muitos temas da minha autoria e que não são mais do que reflexo da minha forma de estar na vida. Este talvez seja o album onde a sonoridade e a musicalidade estãp mais de acordo com esse Universo ainda mais profundo da nossa intimidade, pelo som mais quente, mais depurado, que sinto até, como mais amadurecido.


É o disco da consolidação ou da renovação?

Será sempre o consolidar de um momento cheio de detalhes e vivências que ficarão para sempre associados a este disco, na minha memória. Quanto à apreciação que as pessoas dele fazem parece-me que o sentimento mais comum é de sentirem algo de muito verdadeiro que de alguma forma é coerente com tudo o que tenho feito. Reafirma-se a minha vontade de cantar a vida, as emoções e de o fazer enquanto fadista que tem um horizonte muito próprio de sonoridades, que tendo o fado por raíz, gosta de “conversar” com outros géneros e de realçar os sentimentos de uma forma musicalmente pouco comum no fado.

Como é que entende o binómio tradição/inovação no mundo do Fado?

Sinto sempre que maior do que a tradição é a herança que realmente fica, que as gerações escolhem recordar porque em qualquer momento é a sua própria identidade que descobrem nessa riqueza, muita dela tradicional, muito já inovadora para a altura em que surgia e que será essa mesma memória e a vontade de manter algo vivo porque é incontornável na vida de cada um, que ditará o futura da inovação que hoje se faz.


Porquê “Flor de Fado” e porquê falar sobre o Amor?

“Flor de Fado” claramente porque são sentimentos que floriram, depois de algum crescimento, de raizes que se descobrem profundas e dão origem a flores muito particulares. Também como forma de simbolizar cada pessoa, cada ser, que ocupa um lugar especial neste disco, no concerto, na medida em que eu sinto que represento cada pessoa ao cantar, nas alegrias, nas tristezas, nas vitórias, naquilo que torna cada um de nós Unico. Ainda como uma alusão à “flor de sal”, como algo num estado mais puro, mais rico e talvez ainda com mais sabor...
O Amor surge neste disco, porque nada me parece mais crucial, mais urgente e mais relevante para a Humanidade e para todo este sentido que descubro em “Flor de Fado” e em cada um de nós. Surgiu como um desafio no poema de Eugénio de Andrade, que descobri, “Urgentemente”, e impôs-se como algo que tinha de transmitir e quem sabe convidar a descobrir em cada um de nós.

Recentemente colaborou no último disco do grupo galego “Milladoiro”. De que forma se produziu essa aproximação?

Através de um convite do próprio grupo, para grande satisfação minha, uma vez que tenho particular gosto nesta colaborações, principalmente quando além da possibilidade de participar no disco, ocorre ainda a possibilidade de estar em palco, onde, para mim, verdadeiramente tudo acontece. Milladoiro é um grupo de grande carisma e ter oportunidade de desfrutar do seu publico, onde transpira fidelidade, carinho e anos de admiração e lealdade é realmente um privilégio.

Desde a música de intervenção, particularmente com o Zeca Afonso, que se constata uma crescente colaboração entre músicos galegos e portugueses. No seu caso, já conhecia alguma coisa sobre a música galega, ou foi o primeiro contacto?

Tenho especial admiração pela Uxía, que conheci recentemente e que é um exemplo admirável de outra artista muito querida das Galiza, com um repertório de imensa sensibilidade e riqueza e com a força própria dos grandes artistas. Muitas coisas nos aproximam, Portugal e Galiza e em certos momentos cantar em Galego é para mim um reconhecimento de algo que me é extremamente familiar e por isso muito cativante.

Se por um lado assistimos à falta de apoio político, tanto de Portugal, como do Estado Espanhol, à candidatura do património imaterial galaico-português a Património da Humanidade, por outro, o disco “Quinta das Lágrimas” foi considerado como a “banda sonora” da euro-região Norte de Portugal/ Galiza. Esta aproximação institucional, é somente algo pontual ou pode contribuir a uma maior consciência em Portugal de que partilhamos unha cultura comum?

Quando me encontro em palco, por exemplo, com Milladoiro, a sensação que me percorre é imensamente Grande, como se naquele momento algo de muito especial estivesse a acontecer. Apercebo-me que o encontro, a partilha e a troca de conhecimento já são uma realidade e que de vários momentos pontuais tem surgido um caminho. Acredito nele e acredito claramente que muito podemos ainda fazer e do que tenho assistido, o publico também acredita, gosta e quer mais!

Entrevista publicada no jornal La Voz de Galicia (Galiza), no dia 14 de Fevereiro de 2009.

16 de fevereiro de 2009

Coimbra é uma lição de Amor


Em 1950, Amália Rodrigues actuando em espectáculos de beneficência integrada no plano Marshall tornou mundialmente famosa a canção escrita por Raul Ferrão com letra de José Galhardo.
April in Portugal, Avril au Portugal, Coimbra...
Uma canção de amor e beleza. Arranjos de Jorge Teixeira para Coro Misto, Coro Masculino e versão de Voz e cifra de guitarra.

Brevemente nas lojas Maestro, Paleta dos Sons (Espinho), Casa dos Músicos (Porto).

13 de fevereiro de 2009

Cristina Branco : Redondo Vocábulo [Abril, 2008]

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

José Afonso

Kronos: novo disco de Cristina Branco

Kronos, o novo disco de Cristina Branco. Composto por canções inéditas, será lançado em Março de 2009. No dia 9 de Março, mais precisamente.

O novo disco tem como tema unificador o tempo e será constituído por canções inéditas compostas por uma dezena de criadores muito diferentes, unidos por um traço comum: todos têm percursos desenhados ao longo de muitos anos, com contributos extraordinários na afirmação de um cancioneiro português de qualidade.

José Mário Branco, Sérgio Godinho, Amélia Muge, Rui Veloso, Vitorino, Janita Salomé, Maestro Victorino d’Almeida, Mário Laginha, Carlos Bica, João Paulo Esteves da Silva e Ricardo Dias compõem o lote de temas inéditos de KRONOS.

Dão corpo a KRONOS, para além da voz de Cristina Branco, o piano de Ricardo Dias, a guitarra portuguesa de José Manuel Neto ou Bernardo Couto, a viola de fado de Alexandre Silva e a guitarra baixo de Fernando Maia. Este será o décimo disco de uma carreira que teve início num palco de Amesterdão, em 1996, e que desde então nunca mais parou.

6 de fevereiro de 2009

Chuchurumel : Coquelhada Marralheira [Posta restante, 2007]

COQUELHADA MARRALHEIRA
carta para mário correia
Alguns ouvem mais do que vêem. Apaixonam-se por sons, por vozes, por músicas. Apetece dizer: têm mais ouvidos que olhos!

Tradicional | Freixiosa [Trás-os-Montes]
Recolha de Mário Correia
César Prata: bandolim eléctrico, programações, samples
Julieta Silva: sanfona
António Dinis: pancadas de sapateiro, voz final
Clementina Rosa Afonso: voz

2 de fevereiro de 2009

A Festa dos Montes

A Festa dos Montes é um estudo etnomusicológico de Julieta Silva sobre a Festa do São Brás dos Montes [Montes, Trancoso].
Trata-se de um trabalho realizado no âmbito do Seminário Práticas Musicais Tradicionais em Portugal,
sob a orientação da Doutora Maria do Rosário Pestana [Seminário integrado na Pós-Graduação em Estudos de Música Popular, com orientação científica da Doutora Salwa El-Shawan Castelo-Branco, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa].
A obra vai ser apresentada no dia 7 de Fevereiro [na véspera de mais uma edição da Festa do São Brás dos Montes],
pelas 16h30, no Cine-Auditório Jacinto Ramos, em Trancoso. Será também apresentado o filme A Batalha dos Montes de Maria Lino e Zigud sobre a mesma temática, editado pela Luzlinar.
O livro estará disponível, a partir da sua apresentação pública, através do sítio: http://www.atrasdosbarrocos.com


Prefácio
A Festa dos Montes é uma singular etnografia de uma prática tradicional que anualmente se realiza no primeiro domingo do mês de Fevereiro (depois do dia de S. Brás), na aldeia dos Montes, no concelho de Trancoso. A autora é uma acordeonista que estudou, também, canto e composição, conhecida pela participação, entre outros, em grupos como o GEFAC (Grupo
de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra), o Chuchurumel ou o Diabo a Sete. O estudo resultou, primeiro, de um impacte emocional, vivido pela autora quando, em 2002, pela primeira vez, assistiu à Festa dos Montes – “Fiquei absolutamente fascinada pela força e pela energia que emanam por todo aquele espaço, no dia do São Brás dos Montes” – e, depois, da proposta de trabalho para o seminário Práticas Musicais Tradicionais em Portugal, do curso de pós‐graduação Estudos de Música Popular, realizado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Julieta Silva aborda a realidade em estudo segundo dois vectores principais: a observação e análise, ao longo de vários anos, da Festa dos Montes; e a investigação histórica, em arquivos e periódicos locais. O estudo procura compreender a Festa dos Montes a partir da performance musical, considerando não só o momento de realização, no dia do evento, como, também, toda a preparação que acontece nos dias que antecedem a festa. Esta abordagem assenta em propostas teóricas actuais de etnomusicólogos como Anthony Seeger. Aliás, em linha com essa corrente de pensamento, a autora estabeleceu laços privilegiados com músicos de competência reconhecida pelas maltas e colaborou na preparação de instrumentos para a festa, como os membranofones. Ou seja, para a compreensão dos sentidos e experiências que emergem na Festa do Montes, Julieta Silva não se circunscreveu à simples observação mas, antes, disponibilizou‐se a aprender, a transformar‐se, através da experiência. O estudo sobre romarias portuguesas de Pierre Sanchis, “Arraial: Festa de um Povo – As romarias portuguesas”, é recorrentemente referido neste trabalho. Compreendendo a Festa dos Montes num contexto mais lato, português, de realização de rituais marcados pelo confronto entre a “religião oficial, da Igreja, e a religião popular”, o estudo de caso de Julieta Silva acaba por ser um importante contributo para uma necessária revisitação destas festividades cíclicas. Esta publicação encerra, ainda, um interesse acrescentado pelo facto de se dever a Julieta Silva, uma pessoa que passou pelo GEFAC, que foi ao encontro de detentores da tradição para fazer “recolhas” e aprender com eles, que integrou grupos com um particular apreço pela música da tradição oral. Nos últimos anos tem‐se assistido em Portugal ao emergir de um novo olhar sobre a música da tradição oral, comummente chamada música de matriz rural, sem nostalgias ou desejos de regresso a passados míticos da história de Portugal. Esta dinâmica configura, por um lado, um interesse pelo “regresso à terra”, mas segundo uma nova consciência em torno da Ecologia, na qual, coordenadas éticas e estéticas, inscritas num novo olhar de convivência sustentada – do Homem e da Natureza –, têm feito sugerir novas leituras e interpretações, como as que emergem , agora, do estudo de Julieta Silva. Por outro lado, este novo regresso à música da tradição oral não deixa de estar comprometido com a “era das incertezas” ou os “tempos líquidos” em que, segundo o sociólogo polaco Zygmunt Bauman, vivemos. A autora frisa, ao longo do texto, que a tradição, exactamente por ser dinâmica, possibilita a adaptação essencial à sobrevivência das maltas. Essa capacidade de manter uma tradição que, de cada vez, é sempre diferente, oferece a vivência de uma utopia de uma organização social – a malta – que não se desmorona. Por fim, sublinho o papel da música na construção da diferença, tal como foi referido por Julieta Silva, relativamente às maltas da Festa dos Montes. Considerando o evento como um acontecimento total, a autora sublinha o facto de as diferentes maltas não partilharem alimentos e de se quererem representar com músicas diferentes, num exercício de rivalidadesmarcadamente assumido. A Festa dos Montes divide‐se em quatro partes: a primeira, mais descritiva, dá‐nos a conhecer a festa, os intervenientes e o contexto em que se realiza; na segunda parte, a análise sincrónica cruza‐se com a diacrónica no sentido de compreender o papel da música no evento; na terceira parte a autora apresenta uma descrição organológica e dá a conhecer as transcrições musicais que efectuou, não sem antes discutir os problemas que se colocam, actualmente, a esta forma de registo da música; por último, fala das experiências que a despertaram para este estudo.
Rosário Pestana
Introdução
A Festa do São Brás dos Montes poderia ser um exemplo de um singular ritual que nos transportasse para outros tempos que só na memória moram. Tempos em que a labuta de um homem e o seu divertimento se circunscreviam a um pequeno círculo de coordenadas gaussianas, quando a mobilidade era curta. Mas não, não é isso. Ou, pelo menos, não é apenas isso. A Festa dos Montes existe, hoje, com uma força e uma vitalidade que não podem camuflar
qualquer imposição folclorizadora. Com a sua panóplia de rituais, que têm tanto de obrigatoriedade como de flexibilidade, firmemente enleada entre os fios emaranhados de uma globalização que já penetrou em todos os poros deste planeta, esta prática reveste‐se de uma importância absolutamente incontestável para as pessoas que nela participam. Esta prática está viva. E vive através dos conflitos, das angústias e dos desejos das maltas que, ano após ano, insistem em não deixar morrer esta tradição cujos princípios vão remodelando num continuum de que depende a sua própria sobrevivência. Esta Festa continua viva e de boa saúde porque não copia nenhum modelo. Renova‐se ano após ano, num respeito pela tradição que os mais antigos transmitiram mas sem daí entregar as rédeas da condução dos acontecimentos. Os seus protagonistas fazem a Festa acontecer e mesmo que em determinados aspectos haja repetição, ela não parece ser sentida assim. Há, sim, o sentimento de que cada ano acontece algo importante e novo, algo para o qual todos crêem dar um contributo valioso.